07/09/2018 - Em um
estudo realizado recentemente, um grupo de voluntários bebeu uma
mistura branca, sabor hortelã, com bilhões de bactérias. Os
micróbios foram projetados para decompor uma toxina que existe
naturalmente no sangue.
A grande maioria de
nós é capaz de fazer isso sem qualquer ajuda. Para aqueles que não
conseguem, porém, essas bactérias podem se tornar um remédio vivo.
O teste é um marco
importante em um campo científico promissor conhecido como biologia
sintética. Duas décadas atrás, pesquisadores começaram a mexer
com os seres vivos da maneira como engenheiros trabalham com peças
eletrônicas.
Eles se aproveitaram
do fato de que os genes em geral não funcionam isoladamente. Em vez
disso, muitos trabalham juntos, ativando e desativando um ao outro.
Biólogos sintéticos manipulam essas comunicações, criando células
que respondem a novos sinais ou de novas maneiras.
Até agora, o maior
efeito dessas pesquisas foi na indústria. As empresas estão usando
bactérias modificadas como fábricas em miniatura, montando
moléculas complexas como antibióticos ou compostos utilizados para
produzir tecidos.
Nos últimos anos,
porém, várias equipes de pesquisa voltaram sua atenção para o
nosso interior. Os cientistas querem usar a biologia sintética para
formar micróbios que entram em nossos corpos e nos tratam por
dentro.
A mistura bacteriana
que os voluntários beberam recentemente – testada pela empresa
Synlogic – pode se tornar o primeiro tratamento médico baseado em
biologia sintética a ser aprovado pela Administração de Alimentos
e Medicamentos.
As bactérias são
projetadas para tratar uma doença hereditária rara chamada
fenilcetonúria, ou PKU (a sigla em inglês de phenylketonuria). As
pessoas com essa condição devem evitar consumir proteína em
alimentos como carne e queijo, porque seus corpos não podem quebrar
um de seus subprodutos, o aminoácido chamado fenilalanina.
À medida que a
fenilalanina se acumula no sangue, pode danificar os neurônios no
cérebro, levando a atrasos no desenvolvimento, à deficiência
intelectual e a distúrbios psiquiátricos. O tratamento tradicional
para a PKU é uma dieta estritamente pobre em proteínas, acompanhada
de suplementos nutricionais.
Em experiências
feitas com ratos e macacos, porém, as bactérias da Synlogic
mostraram que podem ser promissoras como um tratamento alternativo.
Na terça-feira, os pesquisadores da empresa anunciaram resultados
positivos em um ensaio clínico com voluntários saudáveis.
Os cientistas estão
agora avançando com um teste em pessoas com PKU e esperam divulgar
os resultados iniciais no ano que vem.
Tal Danino, biólogo
sintético da Universidade de Columbia, disse que vários outros
pesquisadores estão trabalhando em projetos semelhantes, mas ninguém
avançou tão rapidamente quanto a Synlogic. "Eles estão
liderando os testes", afirma.
No ano 2000, um dos
fundadores da Synlogic, James Collins, biólogo sintético do
Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), publicou uma das
primeiras provas dos princípios da biologia sintética.
Junto com colegas,
ele deu às bactérias E. coli uma maneira de ativar e desativar um
gene quando estivessem expostas a certas substâncias químicas –
"como um interruptor para dos genes", explica Collins.
A princípio, os
cientistas imaginaram que as bactérias retrabalhadas poderiam ter
utilidade como sensores ambientais – talvez detectando armas
biológicas no ar e produzindo um sinal químico em resposta.
Mas então,
descobrimos o microbioma.
Em meados dos anos
2000, os microbiologistas começaram a mapear nossa coleção de
micróbios, a grande diversidade de organismos que vivem em pessoas
saudáveis. Segundo os cientistas, o microbioma está continuamente
realizando processos complexos de bioquímica, alguns dos quais
ajudam a nos proteger de doenças.
Os biólogos
sintéticos logo começaram a se perguntar se poderiam adicionar
bactérias modificadas à mistura – talvez como sensores internos
de sinais de doenças, ou até mesmo como "fábricas"
dentro dos intestinos capazes de produzir substâncias de que o corpo
necessita.
"É impossível
superestimar o impacto do trabalho do microbioma", avisa Jeff
Hasty, que foi aluno de Collins e hoje coordena seu próprio
laboratório na Universidade da Califórnia, em San Diego. "Essa
descoberta, em resumo, mudou tudo."
Em 2013, Collins e
Timothy Lu, outro biólogo sintético do MIT, fundaram a Synlogic, e
começaram a procurar em quais doenças poderiam testar suas ideias.
Uma de suas escolhas foi a PKU, que afeta 16.500 pessoas nos Estados
Unidos.
Recentemente,
tornaram-se disponíveis medicamentos que podem reduzir os níveis de
fenilalanina. Eles, no entanto, só funcionam em uma parcela dos
pacientes e possuem seus próprios efeitos colaterais.
"As ferramentas
que temos disponíveis hoje não são boas o suficiente", diz
Christine Brown, diretora executiva da National PKU Alliance.
Durante anos,
pesquisadores exploraram o tratamento da PKU com terapia genética,
na esperança de inserir versões funcionais do gene defeituoso,
chamado PAH, nas próprias células do paciente. Mas a estratégia
não foi além dos estudos em ratos.
A Synlogic achou que
a PKU era a oportunidade perfeita de usar a biologia sintética para
criar um tratamento que pudesse obter aprovação do governo.
Pesquisadores da
empresa selecionaram uma cepa inofensiva de E. coli que tem sido
estudada por mais de um século. "A maioria das pessoas tem E.
coli saudável e boa em seu trato intestinal", explica Paul
Miller, diretor científico da Synlogic.
Então, os
pesquisadores inseriram genes no DNA da bactéria para que, uma vez
que chegassem ao intestino, quebrassem a fenilalanina como deveriam
fazer nossas próprias células.
Um dos novos genes
tem codificada uma bomba que as bactérias usam para sugar a
fenilalanina ao redor delas. Um segundo gene produz uma enzima que
decompõe a fenilalanina em fragmentos. As bactérias então liberam
os fragmentos, que são expelidos na urina.
A equipe da
Synlogic, porém, queria que os micróbios quebrassem a fenilalanina
apenas no lugar e na hora certos no corpo humano. Então, projetaram
as bactérias para manter seus genes de fenilalanina desligados
enquanto sentissem altos níveis de oxigênio ao redor.
Somente quando
chegam a um lugar com pouco oxigênio – o intestino – elas ativam
os genes projetados.
Para testar as
bactérias, os pesquisadores criaram camundongos com uma mutação
que causa a PKU. Quando os ratos receberam uma dose da bactéria, a
fenilalanina no sangue caiu 38 por cento, em comparação com os
ratos sem os micróbios.
Os pesquisadores
também testaram as bactérias em macacos saudáveis. Quando macacos
sem os micróbios ingeriam uma dieta rica em proteínas,
experimentavam um pico de fenilalanina no sangue. Já os macacos que
tinham bactérias artificiais em seus intestinos experimentaram
apenas um leve aumento.
Para o teste em
humanos, a Synlogic recrutou pessoas saudáveis para ingerir as
bactérias. Alguns tomavam uma dose única, enquanto outros, doses
cada vez maiores ao longo de uma semana. Depois de ingerir as
bactérias, os voluntários bebiam um shake ou comiam alimentos
sólidos ricos em proteínas.
Na terça-feira, a
Synlogic anunciou que o teste demonstrou que as pessoas são capazes
de tolerar as bactérias com segurança. Além disso, quanto mais
bactérias elas ingeriram, mais fragmentos de fenilalanina acabaram
em sua urina – um sinal de que as bactérias estavam fazendo o
trabalho esperado.
O próximo passo
será verificar se esses micróbios podem reduzir os níveis de
fenilalanina em pessoas que sofrem de PKU.
"Estou
impressionado com a rapidez com que chegamos a esse resultado",
afirma Collins, que não está envolvido na pesquisa de PKU da
Synlogic.
Em julho, Danino e
seus colegas publicaram um artigo na revista Cell Systems onde
catalogam uma série de outros distúrbios para os quais os
pesquisadores estão desenvolvendo tratamentos com micróbios
sintéticos, incluindo inflamações e infecções.
Atualmente, Danino e
Hasty estão colaborando em outro projeto: como usar a biologia
sintética contra o câncer.
Um grande desafio no
desenvolvimento de medicamentos para o câncer é que eles muitas
vezes não conseguem penetrar nos tumores. Mas pesquisadores de
microbiomas descobriram que, regularmente, bactérias naturais se
infiltram em tumores e crescem dentro deles.
Agora, os cientistas
estão criando bactérias que também podem se infiltrar nos tumores.
Uma vez lá, vão descarregar moléculas que atraem células do
sistema imunológico, uma estratégia que os pesquisadores esperam
que mate o câncer.
"Eu acho que
qualquer lugar onde há bactérias no corpo torna-se uma oportunidade
para projetá-las para fazer outra coisa", diz Danino. Fonte:
Clic RBS.
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