quinta-feira, 10 de outubro de 2019

Transplante de matéria fecal, uma terapia que pode salvar vidas


Tratamento pode ser alternativa a doença de Crohn, diabetes, doença de Parkinson ou Alzheimer, esclerose múltipla, autismo e até alergia a amendoim

Transplante: cerca de 200 estudos em todo mundo estão sendo realizados para encontrar novas aplicações (Hero Images/Getty Images)
9 out 2019 - Quando seu médico propôs injetar fezes para o tratamento de uma grave infecção do cólon, Ghislaine Grenet rapidamente superou sua repugnância. A terapia incomum de “transplante de fezes” (TMF), objeto de atenção da pesquisa médica, salvou sua vida.

“No começo, a ideia perturba, porque é excremento que é injetado em você. Mas nos sentimos tão mal que é urgente fazer alguma coisa”, diz a mulher de 56 anos, que sofre há vários meses de infecção recorrente por Clostridium difficile, uma bactéria responsável pela inflamação do intestino grosso.

O problema dos antibióticos para tratar outras doenças é que podem causar uma alteração da microbiota intestinal, matando as bactérias “boas” e permitindo a proliferação dessa bactéria “ruim”.

Os principais sintomas desenvolvidos pelos pacientes são diarreia, dor de estômago e, às vezes, febre. Uma provação diária.

“Fora de casa, tinha que procurar banheiros o tempo todo. Era impossível trabalhar, ou levar uma vida normal”, relata Ghislaine, que espera a internação no hospital Clermont-Ferrand, no centro da França, para uma nova administração dessa mistura desagradável.

De manhã, um doador saudável – sem problemas digestivos, sem histórico familiar e rigorosamente selecionado após uma avaliação biológica completa – chegou para depositar suas fezes no laboratório da farmácia do hospital.

Esses excrementos são, então, misturados com cloreto de sódio e acondicionados em sacos, ou seringas. Antes de ser administrado por enema, colonoscopia, ou através de sonda nasojejunal (do nariz ao intestino).

Objetivo: reequilibrar a microbiota intestinal do receptor que mudará e se parecerá com a do doador.

Último recurso
“Após um TMF, há mais de 90% de cura sem recorrência, onde os antibióticos não curam mais que 30% a 40% nesta forma recorrente de colite. É realmente um tratamento que funciona muito bem”, diz o Dr. Julien Scanzi, gastroenterologista em Clermont-Ferrand.

Um mês e meio depois, Ghislaine Grenet “revive”. Assim como outro paciente, Sasha, 7 anos, que não podia mais ir à escola, “porque ia ao banheiro 15 vezes por dia”.

Hospitalizada por desidratação, a criança também havia declarado uma infecção após tomar um antibiótico para tratar a bronquite. “O TMF foi o último recurso”, disse sua mãe, Aurélie, que “não acreditava muito” nessa terapia proposta hoje em uma dúzia de hospitais na França.

As virtudes médicas das fezes são conhecidas há muito tempo. Na China do século IV, o excremento já era administrado para tratar intoxicações alimentares graves e diarreia. Foi apenas em 2013, porém, que um estudo holandês valorizou cientificamente seus benefícios.

Hoje, as pesquisas não são mais limitadas: cerca de 200 estudos em todo mundo estão sendo realizados para encontrar novas aplicações. Porque as perspectivas são vastas: síndrome do intestino irritável, colite ulcerosa, doença de Crohn, diabetes, obesidade, doença de Parkinson, ou Alzheimer, esclerose múltipla, autismo e até alergia a amendoim.

“Pensa-se que a microbiota está envolvida em muitas doenças sem, necessariamente, ter um papel importante em todas as doenças. Hoje, estamos nos estágios iniciais da pesquisa para saber qual parte da mistura é responsável pelos efeitos terapêuticos”, diz o professor Harry Sokol, no Hospital Saint-Antoine em Paris.

O gesto “não é trivial”, ressalta.

“Existe o risco de transmitir um patógeno”, acrescenta este gastroenterologista, que “recebe muitos pedidos” recusados por falta de “recursos humanos”, de “doadores” e uma “grade territorial suficiente”.

As empresas já se posicionaram no nicho da flora intestinal. Nos Estados Unidos, o primeiro banco de fezes, “OpenBiome”, foi criado em 2012. Fonte: Exame.

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