Tratamento pode ser
alternativa a doença de Crohn, diabetes, doença de Parkinson ou
Alzheimer, esclerose múltipla, autismo e até alergia a amendoim
Transplante: cerca de 200 estudos em todo mundo estão sendo realizados para encontrar novas aplicações (Hero Images/Getty Images) |
9 out 2019 - Quando seu médico
propôs injetar fezes para o tratamento de uma grave infecção do
cólon, Ghislaine Grenet rapidamente superou sua repugnância. A
terapia incomum de “transplante de fezes” (TMF), objeto de
atenção da pesquisa médica, salvou sua vida.
“No começo, a
ideia perturba, porque é excremento que é injetado em você. Mas
nos sentimos tão mal que é urgente fazer alguma coisa”, diz a
mulher de 56 anos, que sofre há vários meses de infecção
recorrente por Clostridium difficile, uma bactéria responsável pela
inflamação do intestino grosso.
O problema dos
antibióticos para tratar outras doenças é que podem causar uma
alteração da microbiota intestinal, matando as bactérias “boas”
e permitindo a proliferação dessa bactéria “ruim”.
Os principais
sintomas desenvolvidos pelos pacientes são diarreia, dor de estômago
e, às vezes, febre. Uma provação diária.
“Fora de casa,
tinha que procurar banheiros o tempo todo. Era impossível trabalhar,
ou levar uma vida normal”, relata Ghislaine, que espera a
internação no hospital Clermont-Ferrand, no centro da França, para
uma nova administração dessa mistura desagradável.
De manhã, um doador
saudável – sem problemas digestivos, sem histórico familiar e
rigorosamente selecionado após uma avaliação biológica completa –
chegou para depositar suas fezes no laboratório da farmácia do
hospital.
Esses excrementos
são, então, misturados com cloreto de sódio e acondicionados em
sacos, ou seringas. Antes de ser administrado por enema,
colonoscopia, ou através de sonda nasojejunal (do nariz ao
intestino).
Objetivo:
reequilibrar a microbiota intestinal do receptor que mudará e se
parecerá com a do doador.
Último recurso
“Após um TMF, há
mais de 90% de cura sem recorrência, onde os antibióticos não
curam mais que 30% a 40% nesta forma recorrente de colite. É
realmente um tratamento que funciona muito bem”, diz o Dr. Julien
Scanzi, gastroenterologista em Clermont-Ferrand.
Um mês e meio
depois, Ghislaine Grenet “revive”. Assim como outro paciente,
Sasha, 7 anos, que não podia mais ir à escola, “porque ia ao
banheiro 15 vezes por dia”.
Hospitalizada por
desidratação, a criança também havia declarado uma infecção
após tomar um antibiótico para tratar a bronquite. “O TMF foi o
último recurso”, disse sua mãe, Aurélie, que “não acreditava
muito” nessa terapia proposta hoje em uma dúzia de hospitais na
França.
As virtudes médicas
das fezes são conhecidas há muito tempo. Na China do século IV, o
excremento já era administrado para tratar intoxicações
alimentares graves e diarreia. Foi apenas em 2013, porém, que um
estudo holandês valorizou cientificamente seus benefícios.
Hoje, as pesquisas
não são mais limitadas: cerca de 200 estudos em todo mundo estão
sendo realizados para encontrar novas aplicações. Porque as
perspectivas são vastas: síndrome do intestino irritável, colite
ulcerosa, doença de Crohn, diabetes, obesidade, doença de
Parkinson, ou Alzheimer, esclerose múltipla, autismo e até alergia
a amendoim.
“Pensa-se que a
microbiota está envolvida em muitas doenças sem, necessariamente,
ter um papel importante em todas as doenças. Hoje, estamos nos
estágios iniciais da pesquisa para saber qual parte da mistura é
responsável pelos efeitos terapêuticos”, diz o professor Harry
Sokol, no Hospital Saint-Antoine em Paris.
O gesto “não é
trivial”, ressalta.
“Existe o risco de
transmitir um patógeno”, acrescenta este gastroenterologista, que
“recebe muitos pedidos” recusados por falta de “recursos
humanos”, de “doadores” e uma “grade territorial suficiente”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Publicidades não serão aceitas.