terça-feira, 28 de novembro de 2017

Games contra a doença de Parkinson

28 de Novembro de 2017 - Os alunos mergulham na linguagem de programação, criam os próprios jogos eletrônicos contextualizados e problematizados e aprendem conceitos matemáticos independentemente da fase de escolaridade que estão cursando

Mattics é um projeto de pesquisa, formação e de criação de games, de eletrônica e robótica, e ensino de conteúdos matemáticos atrelados desenvolvido em uma escola pública de Ensino Fundamental. Projeto vencedor do prêmio Desafio Aprendizagem Criativa Brasil 2017, promovido pela Fundação Lemann e pelo MIT Media Lab, e do Prêmio Educador Nota 10 de 2016, da Fundação Victor Civita.

Quem fez (Idealizador do projeto)? Greiton Toledo de Azevedo, professor efetivo do Instituto Federal Goiano e doutorando em Educação Matemática pela Unesp.

Pode te inspirar porque… Mostra como é possível trabalhar com games (e criá-los) aliado ao ensino da Matemática e a despertar soluções locais à comunidade.

Etapa Ensino Fundamental, Ensino Médio e Ensino Superior.

Conteúdos robótica, programação, Matemática integrada a diferentes áreas do conhecimento.
Mattics
Introdução
Mattics é um projeto que envolve turmas do Ensino Fundamental, Ensino Médio integrado ao curso de Técnico em Redes de Computadores e do Ensino Superior do Instituto Federal Goiano - Campus Avançado Ipameri (alunos participantes de pesquisa) e conta com a colaboração de 16 profissionais, dentre eles médicos. Isso porque o professor Greiton Toledo de Azevedo e os alunos passaram a levar os jogos concebidos por eles para hospitais e trabalhá-los com idosos com a doença Parkinson, uma forma de proporcionar atividades mentais e físicas aos pacientes, funcionando como uma fisioterapia. Dessa forma as possibilidades desenvolvidas pelos alunos constroem soluções locais.

O projeto Mattics foi concebido em 2015 e desenvolvido por Greiton inicialmente com os alunos do 6o. ao 9o. ano, no contraturno da EMEF Irmã Catarina, em Senador Canedo (GO), localizada na periferia e com vários alunos em situação de vulnerabilidade. Como objetivo central, o projeto focava no pensamento matemático da turma, desenvolvimento de habilidades e competências, promoção de criatividade, aprendizagem da linguagem de jogos eletrônicos (por meio do Scratch) para construir os próprios games ao mesmo tempo que aprendizagem de conceitos matemáticos que existem por trás deles. Para criar os games, uma responsabilidade dos alunos, desde o início, é pensar sempre em usar uma temática que faça os jogadores se conscientizarem de um problema, como questões ambientais e de saúde pública, dentre outras.

Objetivos gerais do projeto
- Formar crianças, adolescentes e jovens quanto ao ensino significativo e atual de matemática.
- Engajar estudantes a buscar soluções locais por meio da produção de tecnologias digitais.
- Impulsionar o desenvolvimento do pensamento lógico e dedutivo matemático
- Incentivar o trabalho em equipe e o espírito colaborativo.
- Contribuir no processo de desenvolvimento criativo e autônomo do aluno no campo da Matemática.
- Fortalecer o gosto pela matemática a partir de uma aprendizagem mais mão na massa e divertida.

Objetivos de Matemática, programação e robótica
- Compreender as ideias matemáticas e computacionais por trás da construção de jogos digitais.
- Compreender o sistema de coordenadas cartesianas considerando a posição de personagens.
- Perceber e compreender as relações e expressões de desigualdade entre números e variáveis.
- Identificar e interpretar situações com números positivos e negativos.
- Estabelecer semelhanças e diferenças entre os princípios da igualdade e da desigualdade.
- Interpretar e compreender as relações de espaço, tempo, forma e deslocamento linear.

Conteúdos
Conceituais:
- Sistema de coordenadas.
- Conjuntos numéricos: naturais, inteiros, racionais, irracionais e reais.
- Desigualdade numérica e algébrica.
- Estruturas de repetição (laços de repetição - looping).
- Ideias condicionais (Se… então).
- Ideias de recursividade e paralelismo.
- Álgebra booleana.
- Medidas e grandezas: área, comprimento e volume.
- Funções: conceitos e suas aplicações.
- Geometria espacial: corpos redondos e poliedros.
- Análise combinatória e probabilidade.
(todos os conteúdos são abordados no Ensino Fundamental e no Ensino Médio com intensidades e complexidades distintas. No Ensino Fundamental, atividades mais lúdicas, dedutivas, exploratórias e intuitivas. No Ensino Médio, com atividades mais sistematizadas, formalizadas e investigativas - demonstrativas.)

Procedimentais:
- Explorar o sistema de coordenadas cartesiano (x,y).
- Explorar as estratégias lógicas computacionais e matemáticas na construção dos algoritmos dos objetos do jogo.
- Efetuar e calcular, medir e relacionar estruturas algébricas e aritméticas.
- Relacionar as ideias matemáticas e computacionais na construção do jogo digital.

Atitudinais:
- Respeitar as diferentes opiniões dos colegas da turma.
- Trabalhar em grupo de forma respeitosa e com seriedade.
- Construir o jogo de forma coletiva e colaborativamente.
- Saber ouvir e respeitar o pensamento do colega.
- Saber esperar a sua vez.

Anos
6º ao 9º do Ensino Fundamental e 1o. ao 3o. do Ensino Médio

Tempo estimado
1 ano

Material necessário
- Computadores com software Scratch - é possível usar a versão online, que não precisa ser instalada nos computadores, ou a offline, que precisa ser instalada.
- Data show.
- Papel sulfite.
- Canetas e lápis de cor.
- Arduínos e placas, como Makey Makey.
- Sucatas e reciclados.

Desenvolvimento
Atenção: a sequência apresentada não deve ser encarada como uma receita, ela pode e deve ser adaptada de acordo com a temática do trabalho. As etapas abaixo indicam um recorte do projeto, cada temática de trabalho demanda uma sequência similar, porém nunca igual. Por exemplo, a discussão feita por um especialista convidado, pode acontecer na primeira etapa ou na última.

1ª etapa
Para começar, Greiton apresentou aos alunos a proposta de criação de games e convidou a turma a explorar o software que usariam, o Scratch e o Paython. Os alunos trabalharam inicialmente com atividades investigativas, exploratórias e intuitivas - assista a um vídeo de 2016 que mostra um pouco a respeito e também outro vídeo, de 2017, em que os participantes do projetos, os Mattickers, contam mais sobre o projeto.

Apresentou, primeiramente, o que é o software e a linguagem de programação gráfica Scratch. Depois, desafiou os estudantes a movimentar o objeto (ou personagem) no palco pela descoberta. Quando conseguiram, pediu que tentassem (de forma exploratória) deslizar o objeto no sentido oposto, da direita para a esquerda, para que os estudantes notem a ideia de número negativo. Discutido o conceito em cena com os alunos, perguntou para a turma se seria possível trocar o cenário, os trajes e os objetos dos personagens, a fim de que o grupo descobrisse as ferramentas do programa. Nesse momento, é interessante convidar um especialista na temática do jogo escolhida pela turma para conversar com os alunos, de modo a muni-los de informações.

2ª etapa
Dando sequência ao trabalho, Greiton dividiu a turma em grupos e orientou-os a pensar e construir em conjunto os cenários, os personagens e os objetivos de cada jogo que iriam criar, usando papel e caneta. Depois, encaminhou os alunos para registrar as ideias usando papel e caneta, desenhando e escrevendo, deixando claro que é importante registrar todo planejamento e as estratégias do funcionamento do jogo. Nessa etapa os alunos também são orientados a compreender o processo de design do jogo na plataforma Scratch, bem como aprender as ferramentas diversas de edição.

Todo o material de registro dos alunos foi organizado de tal forma a montar um “caderno de memórias”, onde registravam suas ideias, imapasses matemáticos, etc. Quando cada grupo já estava de acordo sobre o jogo que queria produzir, Greiton orientou os estudantes a registrar os desenhos das fases, cenários e os personagens do jogo em cartolina, para depois apresentar tudo para os demais colegas. Greiton também pediu aos grupos que registrassem o objetivo do jogo e seus movimentos à parte, destacando os algoritmos computacionais e as ideias matemáticas que vão dar vida para cada objeto.

Para essa fase do trabalho, o professor apoiou os grupos separadamente, discutindo os conceitos necessários. Por exemplo, no caso de um jogo que previa a movimentação do personagem por um espaço delimitado, foi preciso conversar sobre a posição dele no sistema de coordenadas cartesianas, seu movimento e os algoritmos computacionais - o que incluiu, por sua vez, a noção de álgebra de booleana na coordenação e localização dos objetos do jogo. Um dos jogos concebidos pelos alunos foi Gotas D’Água (leia mais sobre ele na etapa seguinte). Outros exemplos de jogos: Lixo no Mar (cujo objetivo é capturar o lixo antes que chegue ao fundo do mar), Poluição do Ar (o jogador deve fugir das nuvens escuras e ganhar pontos com as nuvens claras, que não estão poluídas) e Macaco Coletor (cujo objetivo é coletar o lixo presente na pista e levar tudo até o caminhão de lixo para coleta e reciclagem. O jogador, representado pelo macaco, deve cuidar para atravessar a rua sem ser atropelado por um dos carros). Todos os jogos foram analisados cientificamente e as constatações podem ser vistas na dissertação de mestrado de Greiton.

3ª etapa
Nesse momento, Greiton incentivou os estudantes a produzir os personagens e os cenários no software Scratch e colocar em cena as ideias de programação para que o jogo funcionasse corretamente, ou seja, era preciso transformar o que a turma queria que acontecesse no jogo em linguagem de programação. Greiton, então, apoiou os grupos de forma separada, tratando dos conteúdos matemáticos envolvidos no desenvolvimento de cada jogo.

No caso de conteúdos comuns, envolvidos em todos os jogos, Greiton reunia a sala para tratar do assunto e promover o debate entre os alunos, sistematizando conteúdos, levantando questões e sanando dúvidas. Qualquer fosse o jogo criado, os alunos tinham como desafio construir e compreender os algoritmos envolvidos. Com o grupo de alunos do 6o. ano, por exemplo, que planejou um game com gotas d’água, que tinham de ser recolhidas em um balde, até enchê-lo, Greiton conversou com a turma sobre plano cartesiano (para localizar o balde em uma posição, utiliza-se as coordenadas cartesianas ou pares ordenados: x, y), números inteiros positivos e negativos, números aleatórios e múltiplos e o conceito de variável. Confira o passo a passo em recorte dos conteúdos matemáticos, da criação envolvidos e como brincar com o jogo:

Jogo Gotas D’Água

Definição do tema e objetivo: capturar e armazenar gotas limpas, de cor azul, até encher o balde. As gotas de cor marrom, consideradas contaminadas, devem ser evitadas, pois poluem a água.

Estrutura do jogo (o que há por trás de cada personagem e cenário): baseado em um um plano cartesiano, pois para localizar o balde em uma posição, é necessário utilizar as coordenadas cartesianas ou pares ordenados (x, y), etc. Movimento do balde: considerando a as coordenadas cartesianas (x,y), números inteiros indicam se o balde vai à direita (nesse caso, os positivos) ou à esquerda (negativos). Chuva: uma estrutura de repetição faz as gotas surgirem 50 vezes, em looping. Elas sempre deve cair da mesma altura (y = 180), porém o x será um número aleatório, entre outras ideias matemáticas e de programação. Fim de jogo: o balde fica mais cheio à medida que o jogador capturar 5, 10, 15 ou 20 gotas (aqui, é colocado em destaque o conteúdo de múltiplo de um número natural, 5). Se a quantidade de gotas for menor do que zero, aparece a mensagem “não foi dessa vez” e o jogo se encerra.

4ª etapa
Greiton promoveu uma discussão coletiva para que cada grupo tivesse a oportunidade de apresentar seu jogo e jogá-lo e incentivou os colegas a dar contribuições para melhorá-lo, discutindo conceitos matemáticos sempre que necessário. Semestralmente, os jogos eram apresentados em feiras, mostras culturais, feiras, e para a comunidade escolar em geral.

5ª etapa
A cada um mês e meio ou dois meses, Greiton e os alunos visitam idosos com a doença de Parkinson em hospitais e conversam com eles sobre jogos que gostam, dos que têm saudades, e produzem com eles os jogos (exceto a parte que envolve algoritmos).

De volta à sala de aula, os alunos finalizam os jogos em movimento ciclíco de ação-reflexão-produção-ação, e retornam ao hospital para apresentar os jogos aos pacientes e os ensinam a jogar (no entanto, são profissionais da saúde que auxiliam os idosos durante o jogo). É importante esclarecer que esses jogos, conforme os médicos sugerem, estimulam o raciocínio e os movimentos concentrados, envolvem um pensar sobre eles. E, mais do que levar os jogos produzidos, o projeto Mattics pensa uma sala de matemática que serve à comunidade, apresenta soluções locais.

Avaliação
Greiton não trabalha com provas e notas, avalia as habilidades e competências dos alunos e a aprendizagem dos conteúdos matemáticos e de programação, usando mapas conceituais. A cada encontro dos alunos, eles devem fazer um registro escrito no caderno (sobre o trabalho desenvolvido, o que posteriormente é avaliado pelo professor.

Além disso, o professor avalia a participação e o envolvimento de cada um durante as aulas e a na compreensão dos conteúdos matemáticos trabalhados para o desenvolvimento dos jogos - para isso, uma das estratégias colocadas em cena é a gravação dos alunos explicando os jogos e os conteúdos matemáticos envolvidos neles. Assim, o foco da análise é a produção dos alunos o material de gravação das aulas e os cadernos de memória produzidos pela turma, em busca de progressões, dúvidas e equívocos que precisam ser vencidos.

* O trabalho completo e detalhado organizado por Greiton pode ser acessado nesse link. Ele está contemplado em 20 encontros que conjugam a aprendizagem de Matemática com a criação de games. Os jogos criados pelos alunos da EMEF Irmã Catarina estão disponíveis aqui.

Integrantes do Projeto MATTICS
O projeto Mattics é formado por diferentes profissionais voluntários. Conta com a participação da comunidade escolar, local e universitária, como pesquisadores, professores, coordenadores e gestores, programadores, pessoas da comunicação, além do pessoal da área médica: Gene Maria Vieira Lyra Silva (vice-coordenadora geral do projeto Mattics, doutora em Educação Matemática), José Pedro Ribeiro (Professor doutor /Pesquisador em Ed. Matemática UFG e colaborador do Mattics), Vânia Machado (Professora doutora/Pesquisadora em Ed. Matemática UFG e colaboradora do Mattics), Sérgio Miranda (Doutor e Secretário Municipal de Educação de Senador Canedo e colaborador do Mattics), Silmara Castro (Diretora do Connect Math e participante do Mattics), Marcela Aires (Jornalista e colaboradora de comunicação do Mattics), Jane Souza (Professora e participante do projeto Mattics), Rogério Tolentino (Diretor da escola MICJM e participante do Mattics), Analy Miranda (Professora/Teatróloga e participante do Mattics), Anny Silveira (Mãe de aluno e colaboradora do Mattics), Bruna Cândido (Enfermeira e participante do Mattics), Ceila Alves (Professora de Língua Portuguesa e colaboradora do Mattics), Dorgival Fidellis (Professor de Matemática do IF-Goiano e participante do Mattics), Juliana Kelly (Pedagoga e participante do Mattics), Lourival Faria (Professor de Matemática e participante do Mattics), Carmem Faria (Professora de Matemática e participante do Mattics), Sylvia Jesus (Professora de Língua Portuguesa e colaboradora do Mattics), Michel Castro (Comunicação/Tradução e colaborador do Mattics), Luciane Leila (Coordenadora Escolar e colaboradora do Mattics) e Sheila Morais (Mãe de aluno e colaboradora do Mattics). Fonte: Nova Escola.

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