segunda-feira, 14 de novembro de 2016

Desde 2011, Estado tem perda de R$ 27 milhões com remédios vencidos

Em um ano, RS reduziu o descarte de medicamentos sem condições de uso em 40%, mas uma média de 423 quilos ainda vai para o lixo por mês

14/11/2016 | Com um papel em mãos, uma mulher se aproxima de um guichê localizado junto à porta de entrada da Farmácia de Medicamentos Especiais do Estado, no centro de Porto Alegre. A atendente olha para o documento e faz um sinal negativo com a cabeça:

— Essa medicação está em falta, senhora.

A cena se repete quase que diariamente. Enquanto isso, a seis quilômetros dali, no Almoxarifado Central, centenas de quilos de remédios são descartados todos os meses, por não terem sido distribuídos a tempo pela Secretaria da Saúde do Estado.

Nos últimos cinco anos, 50 mil quilos de medicamentos comprados ou sob tutela do Estado foram parar no lixo, com prazo de validade vencido — um prejuízo aos cofres públicos de R$ 26,7 milhões, em valores corrigidos pela inflação. Com essa verba, seria possível bancar dois anos de merenda escolar ou dois meses de manutenção de rodovias gerenciadas pelo Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem (Daer).

A boa notícia é que o Estado vem conseguindo reduzir esse desperdício. Em 2015, 5 mil quilos de fármacos tiveram como destino aterros sanitários da Região Metropolitana — queda de 40,5% em relação a 2014. O volume recorde foi registrado em 2011, quando 18 mil quilos foram descartados. Os dados foram obtidos via Lei de Acesso à Informação.

Na segunda-feira passada, duas prateleiras no Almoxarifado Central abrigavam caixas contendo, por exemplo, leites especiais e anticoncepcionais com prazo de validade expirado. Em 2014, na primeira vez em que Zero Hora esteve no local, as pilhas de caixas de remédios vencidos ocupavam parte de dois andares. Até setembro de 2016, a perda foi de 3,8 mil quilos, a menor da série histórica, o equivalente a R$ 3,3 milhões.

No entanto, mesmo com a queda no volume, a cifra deve superar os valores de 2015, quando os cofres públicos sofreram prejuízo de R$ 3,6 milhões. É que, em abril, pela primeira vez em 10 anos, o governo federal autorizou reajuste (de até 12,5%) no preço dos medicamentos acima da inflação.

Presidente da Associação Brasileira em Defesa dos Usuários do Sistema Único de Saúde (AbraSUS), Terezinha Borges considera inaceitável que ainda ocorra descarte de medicamentos:

— Isso é um absurdo. Hoje, com tudo computadorizado, esse número tinha de ser zero, se houvesse um bom controle.

Desde 2007, a entidade auxilia gratuitamente usuários que buscam tratamento na rede pública, inclusive ingressando com ações na Justiça.

A falta de medicamentos é um dos problemas mais comuns, segundo Terezinha. O diretor-geral da Secretaria Estadual da Saúde, Francisco Bernd, considera alto o atual volume de medicamentos que ainda perdem a validade no estoque do Estado — média de 423 quilos ao mês. Segundo o diretor, a meta do governo é reduzir esse número em 20% no próximo ano.

Para atingir esse objetivo, o Piratini lançará, até dezembro, licitação para contratar uma empresa que irá fazer a readequação do espaço físico do almoxarifado e melhorar a informatização dos estoques. Inaugurado no governo Sinval Guazzelli, o depósito de medicamentos do Estado vai mudar de endereço depois de 40 anos. O custo estimado é de R$ 2 milhões mensais.

— É normal ocorrer descarte até um determinado patamar. Que bom que as vacinas antiofídicas, por exemplo, vencem. O Estado tem de ter um estoque mínimo. Então, chegar a zero é impossível, porque é incompatível com estoque mínimo — disse o diretor.

Conforme Bernd, 80% dos medicamentos descartados foram comprados pelo Ministério da Saúde — com base em dados populacionais e epidemiológicos — e repassados ao Estado, que redistribui os remédios aos 497 municípios. Para reduzir o desperdício, uma das medidas adotadas pela Secretaria da Saúde foi exigir o cumprimento de cláusula no contrato com fornecedores que prevê a troca de itens vencidos ou que estão para vencer. Além disso, o Piratini ampliou o número de farmacêuticos que atuam Almoxarifado Central, de cinco para nove no final de 2014.

Sentimento de frustração entre pacientes

Há mais de uma semana, um aposentado de 67 anos, cuja família pediu para manter o nome em sigilo, respira com dificuldade. É que a medicação que ele vinha utilizando havia três meses — formoterol, um broncodilatador e antiasmático — estava em falta na Farmácia de Medicamentos Especiais do Estado. No dia 4, a mulher dele, uma diarista de 60 anos, foi informada de que não havia previsão para o fornecimento do remédio, mas mal teve tempo de processar a informação e pensar em um plano B. Ela teve de correr para casa, pois o marido estava com febre — o que podia ter relação com a pausa no tratamento, na opinião dela.

— O sentimento é de frustração. A gente conta com o remédio, não tem condições de comprar — lamentou a diarista.

Para conseguir os medicamentos indicados pelo médico, o casal enfrentou um martírio. Em abril, José ficou 40 dias internado na UTI da Santa Casa de Porto Alegre. Ele teve infarto, acidente vascular cerebral, embolia pulmonar e trombose. No mês seguinte, quando foi para casa, Maria solicitou o tratamento do marido ao Estado. Mas eles só conseguiram ter os dois medicamentos em mãos três meses depois de José deixar o hospital. Para obter um dos fármacos, tiveram de ingressar com ação na Justiça.

— A vida dele depende desses remédios — afirmou.

A escassez não afeta apenas a farmácia do Estado. Na sexta-feira, dia 4, no Centro de Saúde Modelo, no bairro Santana, folhas de ofício coladas em um mural indicavam que 19 medicamentos estavam em falta. Moradora do bairro Restinga, na zona sul da Capital, a aposentada Maria Silveira da Silva, 74 anos, visitava o segundo posto em busca de diazepam, um tranquilizante.

 — Estou há duas semanas sem o remédio e sem dormir direito — lamentou.

Contrapontos

O que diz a Secretaria da Saúde do Estado

Conforme a pasta, o medicamento formoterol + budesonida foi entregue na última segunda-feira pelo fornecedor licitado, junto ao Almoxarifado Central, em Porto Alegre: "As rotinas para distribuição às Coordenadorias Regionais de Saúde e Secretarias Municipais de Saúde já foram adotadas".

O que diz a Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre

Segundo a secretaria, ocorreu uma falta momentânea do medicamento diazepam, "por algumas horas". Em nota, a assessoria explicou que houve aumento de 50% na demanda por medicamento nos últimos quatro meses, "sendo identificado crescimento de pessoas oriundas da rede privada de saúde". A pasta informou ainda que está desenvolvendo plataforma digital e aplicativo que mostrará a disponibilidade dos medicamentos solicitados em cada Farmácia Distrital, "dando mais transparência e evitando que as pessoas se desloquem até os locais não tendo suas demandas atendidas". Fonte: ZERO HORA.

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