sábado, 14 de março de 2020

O perigo do cabeceio e das cabeçadas no esporte

Por Juliana Baptista
Estudo americano mostra que cabecear a bola repetidas vezes pode afetar as funções cerebrais dos jogadores a curto prazo

14/03/2020 - Um estudo americano publicado mês passado pela JAMA Ophthalmology mostrou que cabeceios podem afetar as funções cerebrais dos jogadores a curto prazo. A pesquisa afirma que o grupo de atletas avaliados teve suas funções cognitivas e visuais atingidas após cabecear a bola repetidamente durante os treinos. Além disso, os pesquisadores defendem que o dano pode estar ocorrendo no cérebro mesmo sem apresentar sintomas físicos aparentes ou concussões. Os atletas do grupo de estudo que treinaram cabeceio apresentaram um desempenho cognitivo e visual inferior aos demais jogadores, que treinaram apenas chutes.

Pesquisa afirma que o grupo de atletas avaliados teve suas funções cognitivas e visuais afetadas após cabecear a bola repetidamente durante os treinos — Foto: iStock

O estudo analisou atletas por meio de duas avaliações: o King Devick, um teste clínico que avalia os movimentos oculares; e o teste de ponto próximo de convergência (PPC), que tem o objetivo de estabelecer a distância necessária para enxergar os objetos com nitidez. Os jogadores foram submetidos a esses testes em três momentos: imediatamente após os treinos, duas horas depois e 24 horas depois. Os dados apresentados na pesquisa mostram que o circuito neural, responsável por ligar as funções cognitivas e oculomotoras, pode ficar temporariamente vulnerável a impactos agudos subconcussivos na cabeça.

Os traumas cranianos e concussões são assuntos recorrentes na medicina esportiva devido aos perigos a que os atletas podem estar expostos. Não é incomum que jogadores de futebol, futevôlei, rugby e futebol americano sofram diversos traumas na cabeça ao longo de suas carreiras esportivas. As concussões leves podem não oferecer um risco imediato. Entretanto, os esportistas podem apresentar a longo prazo encefalopatia traumática crônica (ETC).

A ETC foi amplamente estudada no século 20 e por muito tempo ficou conhecida como “demência pugilística” por ser muito comum em lutadores de boxe. Um caso muito famoso é do lutador Muhammad Ali, que foi diagnosticado com Parkinson após ter se aposentado dos ringues. Anos mais tarde, comprovou-se que Ali tinha encefalopatia traumática crônica. Mas vale ressaltar que este problema não afeta somente os atletas de esportes de combate. O zagueiro Hideraldo Luís Bellini, capitão da seleção brasileira campeã do mundo em 1958, foi diagnosticado com Alzheimer, mas anos após sua morte foi constatado que seu transtorno neurológico era na verdade uma ETC, provavelmente resultado de anos cabeceando bolas na área.

O neurologista Marcos Vaz de Lima, Chefe do Grupo de Traumatologia do Esporte do Departamento de Ortopedia e Traumatologia da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, afirma que os atletas podem apresentar problemas cognitivos a longo prazo.

- Não são raros os casos de ex-jogadores com sinais de danos neurológicos precoces para a idade consequentes de microtraumas durante a vida profissional. Muhammad Ali foi um exemplo bem claro disso. O Bellini, ex-capitão de copa de 58, teve uma degeneração neurológica precoce e seu cérebro foi doado para estudo após a sua morte, pois a família e os médicos estavam convencidos de que a doença foi causada pelo excesso de cabeçadas quando era jogador - comenta Marcos.

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Atenção às concussões
Bellini, na juventude, se movimentando para cabecear uma bola: capitão da seleção de 1958 teve encefalopatia traumática crônica — Foto: Marcello Carvalho

Ricardo Eid, médico do esporte e especialista em concussão cerebral, afirma que as concussões repetidas são um problema na vida dos atletas, mesmo que elas não apresentem um dano severo ao cérebro. O médico, que já trabalhou com a Seleção Brasileira de Futebol, explica que jogadores com concussão apresentam um baixo rendimento e correm o risco de ter a síndrome do segundo impacto. Esta síndrome ocorre quando o atleta sofre uma segunda concussão antes de ter se recuperado da primeira e faz com que o indivíduo tenha lesões gravíssimas ou que até mesmo vá a óbito.
Comprometimento a longo prazo
O médico do esporte comenta que assim como qualquer tipo de lesão, as concussões podem apresentar problemas no futuro.

- É difícil prever quem pode ter danos cerebrais e também não é possível afirmar que todos os atletas vão ter alterações cognitivas no futuro. É necessário prevenir por meio de diagnóstico logo após a concussão, com avaliação clínica, testes computadorizados e demais testes preconizados pela FIFA - afirma Ricardo.

Entretanto, os sintomas concussivos podem desaparecer em um curto período de tempo, e isso não significa que o indivíduo não apresente a doença. Então, é importante a realização de testes para que se tenha certeza absoluta de que o atleta voltou ao desempenho cognitivo normal. Existe inclusive um protocolo para reconhecimento de concussão chamado Concussion Recognition Tool 5 (CRT5).

Como evitar?
Eid ressalta a importância de conscientizar os atletas sobre a encefalopatia traumática crônica e seu potencial de risco. O especialista afirma que é necessário identificar rapidamente as concussões e respeitar o tempo de recuperação de cada jogador. Além disso, os esportistas podem fazer fortalecimento de musculatura cervical e tentar uma mudança de estilo de jogo ou luta.

Regras à favor dos jogadores
Ricardo comenta que com as regras atuais e o auxílio do VAR (árbitro assistente de vídeo), é possível avaliar melhor a concussão sofrida pelos jogadores e retirá-los do campo para evitar problemas mais graves.

- O problema da concussão é que os sintomas nem sempre aparecem de imediato, eles podem aparecer minutos depois. Isso não é fácil de diagnosticar, principalmente na beira do campo. Em países como a Inglaterra, caso seja visto em vídeo que o atleta perdeu a consciência, por mais breve que seja, ele não pode voltar para o jogo. - comenta o médico do esporte.

Recentemente a FIFA anunciou que está estudando novas regras para substituição extra em casos de concussões. Ou seja, haveria mais uma substituição, além das três regulamentares, caso um atleta sofra o problema durante o jogo. Durante as Olimpíadas de Tóquio, haverá experimentos nos jogos das seleções masculinas e femininas. O neurologista também defende que as mudanças nas regras possam ajudar os esportistas.

- As ligas americanas, como NBA e NFL, tem protocolos pós-concussão cerebral que afastam os jogadores por vários dias após um trauma. A prioridade deve ser preservar a integridade dos atletas e evitar que eles se exponham a novos riscos - comenta Marcos.

Adiar os cabeceios é a solução?

Recentemente, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) anunciou que está estudando a possibilidade de proibir treino de cabeceios para crianças abaixo de 12 anos — Foto: Istock Getty Images
Recentemente, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) anunciou que está estudando a possibilidade de proibir treino de cabeceios para crianças abaixo de 12 anos para evitar concussões. A medida divide opiniões entre os especialistas sobre sua efetividade.

O neurologista Marcos Lima alega que, para as crianças, o esporte deve ter apenas uma função lúdica e não de alta performance. Já o médico do esporte Ricardo Eid levanta um questionamento sobre a efetividade da proibição.

- Acredito que essa proibição deva ser olhada com muito cuidado. Quando você proíbe o cabeceio, obviamente você está evitando que ocorra uma concussão. Mas e quando chegar o momento em que esse jovem poderá cabecear, será que ele estará preparado? Ele terá segurança para fazer esse movimento? É importante que ele tenha aprendido como realizar esse gesto e como ter força cervical para conseguir segurar o impacto - comenta Eid.

O médico do esporte ainda sugere que treinos com bolas mais leves possam evitar traumas nas práticas envolvendo crianças. Ele também afirma que a medida da CBF é muito válida, mas que deve ser trabalhada com parcimônia, já que os jovens precisam aprender as técnicas e movimentos para evitar lesões. Fonte: Globoesporte. Veja mais AQUI e também aqui: Saúde. Futebol profissional, Alzheimer e Parkinson: risco 3,5 vezes maior.

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