quinta-feira, 19 de setembro de 2019

Alegrias e dores de ser canhoto

Estudo da Universidade de Oxford revela uma maior probabilidade de esquizofrenia e menor probabilidade de Parkinson entre os que têm preferência manual esquerda

19/09/2019 - RIO — Atualmente não há nada de especial em ser canhoto, mas houve época em que esses membros da nossa espécie eram considerados... estranhos.

Na língua portuguesa, sinistro tem duplo significado: aquele que prefere utilizar a mão esquerda (canhoto), e pessoa estranha, malévola.

Mais modernamente, os sinistros foram reabilitados: a palavra ganhou uma conotação superlativamente positiva! Sinistro!!

Canhotos famosos talvez tenham contribuído para desmentir essa crença sem sentido: Leonardo da Vinci, Marie Curie, Pelé, Paul McCartney...

Os seres humanos são a única espécie com preferência manual majoritária para um lado: 90% dentre nós são destros. Qual a razão, não se sabe. Mas a questão é foco de intensa curiosidade dos neurocientistas, porque remete à especialização entre os hemisférios cerebrais, reconhecida como um caminho da evolução que resultou em racionalização do espaço e das funções neurais.

Trabalho publicado há poucos dias por um grupo de pesquisadores da Universidade de Oxford, na Inglaterra, debruçou-se sobre a genética da preferência manual, a lateralidade da atividade cerebral e, mais ainda, sua relação com a incidência de doenças.

O grupo fez um estudo genômico com mais de 350 mil participantes, dentre eles 38 mil canhotos. Os pesquisadores mapearam os genes relacionados exclusivamente aos canhotos, e os relacionaram com registros médicos, questionários sobre estilo de vida e métricas cognitivas.

Identificaram 4 genes ligados à preferência manual esquerda: 3 deles expressam moléculas ligadas ao desenvolvimento dos circuitos neurais.

Imagens do cérebro de quase 10 mil desses participantes indicaram diferenças na estrutura cerebral da substância branca do cérebro dos canhotos, ou seja, dos feixes de fibras nervosas encarregadas da conectividade entre a rede neural da linguagem, a chamada rede neural padrão (ativa durante o pensamento não direcionado), e uma outra encarregada de identificar estímulos relevantes para o foco atencional.

Tudo bem, é possível então identificar uma maior conectividade funcional entre os hemisférios cerebrais dos canhotos no que se refere à linguagem, e menor conectividade nas outras duas redes citadas acima. Mas o que isso tem a ver com o desempenho do cérebro e da mente dos amigos canhotos?

A questão é que um desses genes em particular, que atende pelo críptico nome de rs199512, participa dos processos de formação de circuitos anômalos durante o desenvolvimento cerebral dos pacientes com esquizofrenia.

De fato, sabe-se por estudos envolvendo grande número de participantes que a não-destralidade é muito mais comum em esquizofrênicos. O mesmo gene que define a preferência manual à esquerda participa das anomalias do desenvolvimento de circuitos neurais nesses pacientes.

A boa notícia é que esses genes dos canhotos têm correlação fortemente negativa com a doença de Parkinson, e correlação tendencialmente negativa com a anorexia nervosa e o transtorno bipolar.

Canhotos, não se desesperem. Este é apenas um estudo de correlação: revela uma maior probabilidade de esquizofrenia e menor probabilidade de Parkinson entre vocês.

O que significa dizer que nós destros podemos ter menor chance de desenvolver esquizofrenia, mas temos maior possibilidade de apresentar a doença de Parkinson.

Relevante no estudo é a relação entre genes, proteínas do neurodesenvolvimento e doenças psiquiátricas. Pesquisas futuras poderão abordar essa relação para estabelecer por quais mecanismos essas doenças são determinadas durante o desenvolvimento cerebral. Fonte: O Globo.

2 comentários:

  1. Respostas
    1. Invejava minha mãe, que é canhota e escreve, obrigada pela rígida escola que frequentava, a escrever com a mão direita. Só a professora de artes a deixava desenhar com a sinistra. Logo ela se transformou, conforme a atividade, numa pesssoa ambidestra. Invejava porque eu era, e sou, além de parkinsoniano, tremendamente “direitista”, ou melhor, uma nulidade ao se referir à minha esquerda, que com o parkinson obviamente piorou, além de que meu “amigo” Parkinson tem seus sintomas predominantemente à esquerda, significando que meu dbs tem mais voltagem no lado direito do cérebro. Quanto a ser ambidestro, creio ser uma grande virtude, parabéns!

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