Após descobrir doença, professora deixa trabalho, muda para o litoral e adota exercícios e meditação em busca de uma vida mais saudável
24 Outubro 2016 | Degenerativa, irreversível, progressiva. Por muito tempo, estas três palavras assombraram a vida da professora de português Márcia Curval. Os adjetivos, tão realísticos quanto duros, definiam o mal que pegou a paulistana de surpresa com um diagnóstico precoce - aos 48 anos, Márcia descobriu que tinha Doença de Parkinson. A patologia é causada por uma diminuição intensa da produção de dopamina no organismo, substância química responsável por transmitir mensagens entre as células nervosas. Quando escassa, ela provoca perda do controle motor e consequentes tremores, lentidão nos movimentos voluntários, problemas com o equilíbrio e rigidez dos músculos e articulações.
"É uma terminologia muito agressiva, e você demora a digerir esse conceito. É muito punk. Chorei compulsivamente, porque a notícia caiu como uma bomba, como sempre acontece", relembra Márcia. Depois de meses com dores no braço, a professora havia buscado a orientação de um ortopedista, porém ouviu, no consultório, que seu problema era neurológico, e que o ideal seria procurar a ajuda de outro profissional. "É um prato bem amargo que você vai digerindo aos poucos, mas, uma hora, ele desce".
De lá para cá, dez anos se passaram. Nesta uma década convivendo com a doença, a professora conta que atravessou diversas fases, da negação à apatia. Mas que, em um determinado momento, decidiu que não se deixaria vencer pelo Parkinson, e que tomaria todas as providências necessárias para um controle adequado da doença, adiando ao máximo os sinais de sua evolução. Agora, aos 58 anos de idade, orgulha-se de uma vida com hábitos mais saudáveis depois de mudanças radicais.
Entre as principais delas, está seu endereço. Depois de uma vida inteira na capital, Márcia e o marido se mudaram para Santos em 2013. Na cidade praiana, ficou mais fácil dedicar-se ao contato com a natureza e a uma rotina mais pacífica. "Gosta de andar no calçadão no final da tarde, passear pela orla. Adoro ver o por do sol, tomar uma água de coco, ver o mar. Aqui, as pessoas são mais cordiais, tudo isso me faz feliz. Não gosto mais de São Paulo, aquele trânsito louco, as motos passando. Não quero mais isso para mim".
Márcia frequenta a academia todos os dias, com o apoio e supervisão de uma personal trainer. "Parei de trabalhar para cuidar mais de mim", conta ela, que também faz sessões de acupuntura e massagem semanalmente - "vida de madame", diverte-se. "Depois de um tempo, com esse quadro todo, o dinheiro não tem mais importância. Prefiro mil vezes não trabalhar e não ir para a França e saber que estou cuidando da minha saúde".
A interrupção da carreira veio não só da necessidade de focar mais nos cuidados com o controle do Parkinson, mas também do fato de que a doença limita movimentos essenciais a uma professora, como escrever à mão, por exemplo. "Tenho dificuldades. Meus cheques todos voltam, devem pensar que sou muito caloteira", brinca.
Além disso, outros efeitos do problema também atrapalham o dia a dia. "Eu já sinto alguma dificuldade para falar, a língua enrola. Minha escova de dentes tem que ser elétrica, porque minha mão não dá conta do movimento. Sinto dores nas costas por causa do jeito como caminho, meio mancando. Sofro com tudo isso já há muito tempo, e aprendi que a gente tem que rir da própria desgraça. Até porque ninguém envelhece impunemente, o corpo vai dando perda total".
Segundo Antonio Carlos Milagres, mestre em Neurologia pela Universidade de São Paulo (USP), não existe prevenção para o Parkinson. "Há alguns estudos que associam o hábito do consumo do café como fator protetor, mas não há consenso definido". Milagres explica, no entanto, que, após diagnosticada a doença, é possível contar com o auxílio da medicina para um controle eficaz de seus sintomas. "Hoje há medicações extremamente eficientes. Ter uma dieta balanceada e rica em vitaminas, bem como a prática da atividade física são fundamentais para a redução dos sinais e atraso na evolução da incapacidade física."
A agenda diária de Márcia inclui, ainda, uma série de medicamentos, da hora em que acorda e ingere as duas primeiras cápsulas ainda em jejum, até o momento em que vai se deitar. E, como o Parkinson também prejudica o funcionamento do intestino, Márcia cortou completamente as frituras do cardápio, e come apenas alimentos cozidos no vapor, sempre acompanhados de uma boa salada. Sua tentação maior são as guloseimas, a que se permite vez ou outra acompanhada do marido, um português também aposentado fã de pescarias na costa santista.
Os dois passam boa parte do tempo em companhia apenas um do outro, já que os filhos do casal moram um em São Paulo, e a outra, em Londres. No começo do ano, inclusive, Márcia morou por dois meses na Inglaterra, para ajudar com os cuidados da neta recém-nascida. E é na nova geração que moram vários dos sonhos dela, especialmente o de ver a menina se desenvolver.
Isso porque, como conta a professora, sua família original se desestruturou após perder os dois irmãos, um em acidente de carro aos 26 anos, e outro por problemas decorrentes do vício em álcool - mesmo depois de dez anos em abstinência, ele desenvolveu um câncer fulminante no pâncreas e acabou não resistindo. Na sequência, o pai de Márcia morreu e, atualmente, sua mãe vive em uma clínica em um estado delicado de saúde.
"Minha maior alegria é ver que meus filhos estão adultos, fazendo coisas boas, saudáveis, com um caráter bacana. Isso me traz muita felicidade, uma sensação de missão cumprida. Quero muito ver minha neta crescer, meu filho também andou dizendo que pensa em ter filhos. Mas, se eu morresse hoje, eu morreria feliz", define ela, que fala abertamente sobre a doença justamente para livrá-la de um estigma que relata sentir com frequência. "Não tenho medo de me expor, não me escondo. Não quero que ninguém sinta pena de mim. O Parkinsoniano é muito colocado de lado pela sociedade. Há muito preconceito, parece que a gente incomoda".
Vaidosa desde o diagnóstico, Márcia anda sempre com roupas despojadas, mas impecáveis. Fruto da geração que tostava nas areias da praia sem maiores preocupações durante a juventude, ela explica que hoje se cuida melhor e não se expõe mais ao sol. "Antigamente, eu nem penteava o cabelo direito. Hoje, já me permito um batonzinho, um rimelzinho".
Ela atribui seu bom-humor e otimismo às boas experiências que teve quando era pequena, ao lado dos familiares - para ela, a energia necessária para se enfrentar um problema grave de saúde estaria na base construída ainda na infância. "Ajuda muito foi o fato de que fui muito amada. Todo o amor que você dá para o seu filho, ele guarda em uma poupança, em um pedacinho da cabeça. e, em um dia em que ele precisar, ele vai recorrer a esse estoque", acredita. "Sei que fui uma criança muito desejada. E é essa força que eu busco todo dia. A vida é uma só, e não estou aqui para me fazer de vítima. Vivo um dia de cada vez, e acho que o segredo da felicidade é bem por aí". Fonte: O Estado de S. Paulo.
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