10 May 2016 / Do alto de seus 80 bem vividos anos, o empresário Cid Barros se compara ao super-herói Flash Gordon quando encaixa no rosto o GaitAid, óculos de realidade virtual que ajuda pacientes de Parkinson a melhorar o automatismo e a se locomover melhor. Novidade no Brasil, o dispositivo israelense está começando a ser usado por profissionais de saúde para amenizar problemas motores ocasionados pela doença que atinge 1% da população mundial acima dos 65 anos.
Diferente dos óculos de realidade virtual (RV) para games e pornografia que costumam abarcar boa parte dos olhos e do rosto, esse dispositivo é ainda mais fino e leve. Para os entusiastas do entretenimento tecnológico, a visão que se tem dentro dos óculos pode provocar certo dissabor: vê-se apenas quadrados brancos e pretos enfileirados, como num tabuleiro de xadrez.
“Quando a doença avança, os pacientes começam a dar os passos mais curtos”, explica Carolina Souza, fisioterapeuta especialista em Parkinson e pesquisadora responsável do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP que testou o aparelho no Brasil. Automatismo, ela detalha, são movimentos que fazemos sem pensar, como andar, levantar da cama, se vestir.
PARALISIA AGITANTE
Em 1817, o médico inglês James Parkinson deu a primeira grande letra sobre a doença com a monografia “Um ensaio sobre a paralisia agitante”. Mas foi o francês James Martin Charcot – tido como pai da neurologia – que, décadas depois, nomeou a doença e, junto de seus alunos, selou seu primeiro grande espectro clínico ao definir dois sintomas típicos do Parkinson: os tremores e a rigidez.
De lá pra cá, muitas águas rolaram. Hoje o tratamento é baseado no estágio em que a enfermidade se encontra manifesta. Costuma consistir em fisioterapia, fonoaudiologia (movimentos respiratórios e da laringe também são afetados), cirurgia em casos específicos e o controle com medicamentos.
Num porta-comprimidos, Cid guarda suas pílulas diárias – não são poucas. Além do Parkinson, ele convive com problemas cardíacos e, portanto, carrega um marca-passo do lado esquerdo do peito. Mostrando a caixinha, o paciente desfere os horários em que precisa apelar para os remédios: 24h, 4h, 8h, 12h, 16h e 20h.
Diagnosticado com a doença há cinco anos, Cid mantém o humor durante a entrevista: “chama-se Mal de Parkinson. Se chamasse Bem de Parkinson, era melhor, não era?”.
Os óculos de realidade virtual chegaram em sua vida desde que passou a fazer fisioterapia com a especialista Carolina, cujo consultório fica na Avenida Paulista, em São Paulo. “É um óculos elegante, fininho”, ele descreve enquanto coloca o GaitAid para demonstração. “Este aparelho contribui pra você ter equilíbrio, andar melhor e ter menos chance de cair."
Os tombos são comuns em muitos parkisonianos. Na maioria das vezes, acontecem dentro de casa. “O paciente acaba indo a óbito por causa das quedas, das fraturas. Isso leva um tempo grande de hospitalização. Nosso foco de tratamento é, basicamente, evitar que essas complicações motoras fiquem mais pronunciadas na doença. E a fisioterapia atua como tratamento coadjuvante”, diz Carolina.
Ao colocar os óculos, é possível enxergar normalmente o que está a frente através de lentes que ficam na altura dos olhos. Uma caixa com o tamanho de um celular é colocada na cintura do paciente – ela contém sensores motores e processadores digitais. Uma vez que o GaitAid é ligado, a RV dá as caras em formato de quadrados pretos e brancos. O paciente precisa escolher uma das cores e pisar sempre nela. Isso estimula que o passo dado seja mais largo, recondicionado o corpo a marchar normalmente, e não em passos curtos, como preconiza a doença. Um fone de ouvido também é acoplado aos ouvidos. Lá, uma espécie de metrônomo marca o tempo do passo. Antes da invenção do dispositivo, os fisioterapeutas realizavam o processo dentro das clínicas. “Colocávamos listras no chão e o paciente andava pisando nessas listras”, relata a profissional.
Em 1997, era noite quando um vídeo exibido na televisão mostrava um parkisoniano realizando essa mesma terapia. Dentro do centro de pesquisas da NASA, em Moffett Field, na Califórnia, o professor de ciência da computação Yoram Baram assistia curioso. Especialista em navegação óptica do Technion Israel Institute of Technology, ele desenvolvia no local um projeto para helicópteros de baixo voo. Meses depois, quando voltou para Israel, sua terra natal, lembrou-se do vídeo que assistira e teve um estalo. “Se as listras funcionam para esses pacientes, por que não criá-las virtualmente por meio de um dispositivo que produza a mesma sensação visual?”, perguntou-se.
“Descobrimos que a terapia com o dispositivo cria novas conexões no cérebro e ignora as áreas danificadas”, revelou o especialista para o Motherboard. No Brasil, pacientes e fisioterapeutas podem alugar ou comprar o GaitAid, cujo valor fica em salgados R$ 15 mil. “O custo elevado do óculos se dá por causa da quantidade de impostos que incidem sobre ele – cerca de 62% do valor”, informa Juliana Cordeiro, sócia-diretora da Delta Medical, empresa que importa o equipamento no Brasil.
A recomendação varia de paciente para paciente. Cid deveria treinar com os óculos duas vezes por dia: 15 minutos pela manhã e mais 15 pela tarde. O que ainda não é regra em sua rotina. “Infelizmente, sou um pouco rebelde”, gaba-se aos risos. Ele também utiliza uma bengala com laser, importada pela mesma empresa do GaitAid. Quando o objeto é pressionado contra o chão, dispara uma luz vermelha que o ajuda a deixar o passo mais largo. A tecnologia é motivo de graça pra ele. “Eu queria ter uns óculos desse quando tinha 20 anos. Ficar igual ao Flash Gordon. Era uma ficção que virou realidade. O homem na lua, em outros planetas...”, suspira. Fonte; Mother Board.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Publicidades não serão aceitas.