sábado, 25 de março de 2017

Papel da alfa-sinucleína e da disfunção mitocondrial associada à doença de Parkinson

por Rita Perfeito(1) e Ana Cristina Rego(2)

09/08/11 - RESUMO A doença de Parkinson (DP) é uma doença neurodegenerativa, crônica e progressiva, associada a uma disfunção do movimento. Caracterizase por uma perda selectiva de neurónios dopaminérgicos na substantia nigra e pela presença de corpos de Lewy – agregados maioritariamente compostos pelas proteínas alfa-sinucleína e ubiquitina. Várias hipóteses têm sido propostas para explicar a neurodegenerescência nesta patologia, que envolve factores ambientais (formas esporádicas) e/ou genéticos (formas familiares). A alfa-sinucleína apresenta três mutações que causam a DP na forma autossómica dominante. Para além disso, a duplicação e a triplicação do gene desta proteína estão igualmente associadas às formas familiares da doença. A disfunção mitocondrial tem também sido ligada à DP. Pretende-se assim neste trabalho de revisão clarificar o papel da alfa-sinucleína e sua relação com a disfunção mitocondrial e a DP.
Unitermos. Alfa-Sinucleína, Mitocôndria, Doença de Parkinson. Citação. Perfeito R, Rego AC. Papel da alfa-sinucleína e da disfunção mitocondrial associada à doença de Parkinson.


INTRODUÇÃO A acumulação de alfa-sinucleína na forma de agregados filamentosos intracelulares é uma das características patológicas das doenças neurodegenerativas designadas por sinucleinopatias, nas quais se inclui a doença de Parkinson1 . Nesta patologia, a proteína alfa-sinucleína na forma fibrilhar é a principal componente dos corpos de Lewy, inclusões proteicas, intracitoplasmáticas, presentes tanto nas formas esporádicas como familiares desta doença. A doença de Parkinson (DP) é uma doença neurodegenerativa, progressiva e irreversível associada a um dé- fice da função motora. Formas esporádicas desta doença afectam aproximadamente 2% da população mundial acima dos 65 anos de idade, havendo uma maior incidência em indivíduos do sexo masculino2 . Clinicamente, a DP é caracterizada por rigidez muscular, tremor em repouso, bradicinésia (lentidão anormal dos movimentos voluntá- rios), instabilidade postural; alguns pacientes apresentam ainda sintomas relacionados com perturbações psiquiátricas e cognitivas3 . Em termos patológicos, a DP é descrita através de uma profunda e selectiva perda de neurónios dopaminérgicos localizados numa zona do cérebro denominada por substantia nigra pars compacta, e que projectam para o estriado. Uma outra característica importante desta patologia é a presença dos corpos de Lewy, agregados proteicos compostos maioritariamente por proteínas como a alfa-sinucleína, ubiquitina e sinfilina-1, entre outras4,5. A neurodegenerescência selectiva que caracteriza a DP tem sido associada a vários processos intracelulares, nomeadamente a uma disfunção da mitocôndria, a um aumento do stresse oxidativo e da excitotoxicidade, assim como a alterações da conformação das proteínas6 . Apesar dos avanços da Medicina e da investigação científica nesta área, a etiologia da DP continua ainda por esclarecer. Esta manifesta-se normalmente na forma esporádica, que se pensa ser devida a uma exposição contínua a toxinas ou factores ambientais, tais como pesticidas, herbicidas, químicos industriais ou metais, ao longo da vida dos pacientes. A idade é também um factor de risco muito evidente, pelo que a DP está associada ao grupo das doenças do envelhecimento. No entanto, e mais recentemente, a DP tem sido também atribuída a uma predisposição genética – formas raras, familiares – devido à identificação de mutações genéticas em determinados genes que codificam para proteínas associadas à doença, e que têm tido um papel significativo no avanço do conhecimento molecular desta patologia neurodegenerativa7,8. O primeiro gene (SNCA) mutado a ser identificado na DP codifica para a proteína pré-sináptica alfa-sinucleína. Três mutações missense que causam a doença na forma autossómica dominante, assim como um aumento da expressão desta proteína a nível celular, têm sido associados à formação de agregados de alfa-sinucleína9 e a situações patogénicas. Inclusivamente, foi descrita uma duplicação e triplicação deste gene em cinco famílias independentes10,11. Especificamente, a triplicação genômica do gene SNCA é responsável por duplicar a expressão da alfa-sinucleína no tecido cerebral e está maioritariamente associada à forma hereditária que leva ao aparecimento da doença em idades precoces, associada a demência. A duplicação genómica assemelha-se à forma idiopática e parece surgir mais tarde na vida dos pacientes, havendo nestes casos uma maior longevidade12. Em suma, mudanças na conformação da alfa-sinucleína, conducentes à sua agregação e modificações póstraducionais, assim como alterações na função mitocondrial, poderão ser eventos patogénicos chave associados à DP13,14. Como resultado, a elucidação dos mecanismos celulares que influenciam as alterações que ocorrem na bioquímica desta proteína e que levam à sua agregação e consequente disfunção neuronal, necessitam de ser clarificados rapidamente para um melhor conhecimento e percepção desta patologia neurodegenerativa. Após uma perspectiva inicial sobre os principais aspectos clínicos e neuropatológicos da DP, assim como as principais características da alfa-sinucleína, este artigo de revisão tem como objectivo principal analisar as possíveis funções da alfa-sinucleína, a sua relação com a doença de Parkinson e a disfunção mitocondrial, que contribuem para o desenvolvimento desta patologia que afecta a função motora. MÉTODO Para a elaboração do presente trabalho, analisámos diversos estudos que investigaram as principais características neuropatológicas e clínicas da doença de Parkinson, assim como as suas possíveis causas. Para além disso, focámo-nos na recolha de informação específica acerca da proteína alfa-sinucleína, que está directamente envolvida no desenvolvimento desta patologia, tanto nos casos esporádicos, como hereditários. Como tal, debruçámo-nos sobre as suas possíveis funções, estrutura, mutações gené- ticas, agregação, modificações pós-traducionais e numa possível relação com a mitocôndria, cujo complexo I se encontra inibido nesta doença. A pesquisa dos artigos científicos relacionada com o tema desta revisão foi realizada através de busca na base de dados online PubMed, utilizando palavras-chave, tais como (em inglês): Parkinson’s disease, alpha-synuclein, oxidative stress, complex I inhibition, mitochondrial dysfunction, aggregation, post-translational modifications, que estabelecessem uma relação entre a doença de Parkinson, a alfa-sinucleína e a disfunção mitocondrial.

RESULTADOS Para realizar o presente trabalho foram selecionados 99 artigos publicados em inglês e um em espanhol, dos quais, 12 artigos de revisão e 87 originais. Os artigos selecionados incluíram os artigos iniciais sobre a DP, publicados entre as décadas de 70 e 90 e artigos atuais, publicados entre o período de 2000-2010.

DISCUSSÃO ALFA-SINUCLEÍNA - PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS Estrutura e localização A alfa-sinucleína é uma proteína com 140 amino- ácidos, com um peso molecular aproximado de 14 kDa, que está primariamente presente nos terminais pré-sinápticos, mas que apresenta também uma localização nuclear e, mais recentemente, foi detectada na mitocôndria15,16. O gene que codifica para a alfa-sinucleína, designado por SNCA ou PARK1, está localizado no cromossoma 4q21 e consiste em sete exões, cinco dos quais codificam para a proteína17. O splicing alternativo resulta em três variantes: a forma full length da alfa-sinucleína, que codifica para a proteína completa de 140 aminoácidos e que é predominantemente expressa no cérebro, nomeadamente no neocórtex, hipocampo, estriado, tálamo e cerebelo18; a variante da alfa-sinucleína com 126 aminoácidos que não possui o exão 3; e a variante da alfa-sinucleína de 112 aminoácidos, que não apresenta o exão 519. A alfa-sinucleína pertence a uma família de proteínas de forma nativa “desenrolada” (unfolded) e que não possui uma estrutura secundária típica. De facto, a alfasinucleína é uma molécula muito dinâmica, cuja estrutura secundária depende do ambiente ao seu redor20,21. Em condições patológicas, a alfa-sinucleína desordenada pode sofrer alterações conformacionais, depositar-se e agregar. Tal como referido anteriormente, fibrilhas de alfa-sinucleína são encontradas nos corpos de Lewy, que estão descritos como uma possível base da neurodegenerescência associada à DP. Estudos que incidiram na estrutura da alfa-sinucleína revelaram três domínios principais ou regiões: uma região N-terminal (região anfipática: 1-60), uma região central (domínio NAC (do inglês non-Abeta component of Alzheimer´s disease) hidrofóbico: 61-95) e a região Cterminal (cauda hidrofílica acídica: 96-140). A região N-terminal é caracterizada por seis sequências repetidas imperfeitas de 11 resíduos (com um motivo KTKEGV) e sabe-se actualmente que forma cinco hélices anfipáticas22,23. As hélices 1 – 4 pensa-se terem a capacidade de se associar a vesículas lipídicas21,24, enquanto a hélice 5 parece ser responsável pelas interacções proteína-proteí- na20. Por outro lado, a região C-terminal, acídica e rica em resíduos de glutamato, permanece desenrolada e não aparenta ter associação com vesículas ou outras moléculas22. Por fim, a região hidrofóbica NAC tem características extremamente amiloidogénicas e, tal como outras proteínas amilóides, esta confere-lhe uma capacidade de alterar a sua estrutura de random coil para folha-beta25. Por sua vez, este processo é acompanhado por uma extensa agregação e formação de fibrilhas26. Possíveis funções Embora a função fisiológica da alfa-sinucleína não seja ainda conhecida, várias linhas de evidência têm sugerido um papel nos terminais nervosos pré-sinápticos, relacionado com processos associados a membranas18,27. A estrutura bioquímica da proteína prevê que esta possa funcionar como uma molécula chaperone, com capacidade para se ligar a outras proteínas intracelulares28, uma vez que possui homologia com regiões da família das chaperones 14-3-328,29. Esta família de proteínas desempenha um papel numa variedade de funções celulares, tais como, controlo e regulação da proliferação celular (…)

CONCLUSÃO Os agregados de alfa-sinucleína no cérebro são uma característica molecular das sinucleinopatias, incluindo a doença de Parkinson. Esta doença neurodegenerativa possui uma etiologia multifactorial, que envolve factores genéticos e ambientais. Modificações pós-traducionais da alfa-sinucleína, a proteína que existe em maior quantidade nos corpos de Lewy e a disfunção mitocondrial, parecem estar envolvidas nos mecanismos patogénicos que conduzem a esta doença. A inibição do complexo I mitocondrial leva a uma falha energética na célula e à formação de radicais livres. Para além disso, alterações na alfa-sinucleína podem promover o stresse oxidativo através da regulação da síntese de dopamina, da sua neurotransmissão, e da sua auto-oxidação. No entanto, o stresse oxidativo/nitrosativo, também influenciam a oxidação da alfa-sinucleína e a sua capacidade de agregar. Mais ainda, as mutações genéticas que podem ocorrer no gene desta proteína causam a doença de Parkinson na forma hereditária autossómica dominante. A alfa-sinucleína parece ainda ter influência na função do SUP e da mitocôndria, o que levanta a possibilidade de que as modificações póstraducionais desta proteína (algumas claramente com um papel importante na agregação proteica), possibilitam uma interacção entre vias bioquímicas comuns. Assim, é necessário continuar a estudar e promover a investigação sobre a função da alfa-sinucleína, das suas modificações pós-traducionais e da sua relação com a disfunção mito- Rev Neurocienc 2012;20(2):273-284 281revisão condrial, no sentido de clarificar a sua relevância na patogénese da doença de Parkinson. (segue…) Fonte: Revista Neurociências.

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