segunda-feira, 25 de julho de 2016

A sociedade clama pelo fim do foro privilegiado, diz procuradora

24 Julho 2016 | Coordenadora da campanha das 10 Medidas, no Rio, Mônica Campos de Ré vê dificuldade em processar políticos: 'Se o processo seguisse direto da 1ª instância, todas as instâncias normais, pode ser dada mais agilidade'

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), colocou 9 de dezembro como data para a votação no plenário do pacote das 10 medidas de combate à corrupção encampadas pelo Ministério Público. A previsão da Casa, por enquanto, é uma ‘boa posição’, na avaliação da procuradora-regional da República Mônica Campos de Ré, coordenadora da campanha das 10 Medidas no Rio.

“A expectativa é que fosse o quanto antes possível. Vamos trabalhar com isso, é uma boa posição, por enquanto. Espero que consiga realmente”, afirma.

Mônica Campos de Ré faz parte do Núcleo de Combate à Corrupção da Procuradoria Regional da República da 2ª Instância. Mesmo com toda a experiência no combate a malfeitos, os recorrentes escândalos de corrupção ainda chocam a procuradora.

“Os valores vão aumentando e virando cifras bilionárias que a gente praticamente perde a dimensão das coisas”, afirma. “Desviar dinheiro da saúde e da educação deveria ser mais hediondo ainda. Como uma pessoa tem coragem de fazer isso.”

Nesta entrevista, Mônica Campos de Ré aponta para o foro privilegiado e a dificuldade de se processar políticos.

“A sociedade está clamando pelo fim do foro privilegiado, e o Ministério Público também acho que encampa essa extinção, essa ideia, porque você vê a dificuldade que é processar um político com foro privilegiado”, relata a procuradora.

LEIA A ÍNTEGRA DA ENTREVISTA

ESTADÃO: Na sua avaliação, corrupção é um crime hediondo?
PROCURADORA REGIONAL DA REPÚBLICA MÔNICA CAMPOS DE RÉ: É hediondo e deve ser tratado como tal. Está no projeto, uma das medidas é essa. Acima de 100 salários mínimos é considerado hediondo. Uma coisa que espantou foi essa Operação Dopamina (investigação sobre supostos desvios no tratamento do Mal de Parkinson no Hospital das Clínicas, em São Paulo). Que absurdo. Desviar dinheiro da saúde e da educação deveria ser mais hediondo ainda. Como uma pessoa tem coragem de fazer isso. A qualificação hediondo não é só porque é feio, porque é horrível. Os crimes hediondos, na definição deles, a partir da definição do crime como hediondo, ele impede alguns benefícios aos condenados. Ele tem de cumprir um prazo maior em regime fechado, por exemplo. Se já fosse hediondo, os condenados do Mensalão não receberiam o benefício do indulto natalino.

ESTADÃO: Foro privilegiado traz algum benefício para a sociedade? Deveria ser extinto?
PROCURADORA REGIONAL DA REPÚBLICA MÔNICA CAMPOS DE RÉ: Ele não está nas 10 Medidas, está em uma PEC – Proposto de Emenda Constitucional – separada. A sociedade está clamando pelo fim do foro privilegiado, e o Ministério Público também acho que encampa essa extinção, essa ideia, porque você vê a dificuldade que é processar um político com foro privilegiado. Aqui na Regional, nossa atribuição é prefeito, secretário de Estado. A gente está investigando um prefeito. Se ele não se reelege, se não pode se reeleger, o inquérito, o processo vai para a 1ª instância. Há um atraso no andamento do processo. Se ele seguisse direto da 1ª instância, todas as instâncias normais, pode ser dada mais agilidade ao processo, embora tenha que seguir todas as fases recursais. Se ele começa aqui na 2ª instância, ele só vai para o STJ e para o STF. No Supremo, como no caso do Mensalão, só tem aqueles recursos internos. A questão é que os que têm foto privilegiado no STJ e no Supremo, o processo acaba demorando muito. Esses tribunais são mais de teses, não julgam fatos, não são tribunais vocacionados a fazer instrução de processo, como são os juízes da 1ª instância.

ESTADÃO: Os processos precisam ser cada vez mais tornados públicos?
PROCURADORA REGIONAL DA REPÚBLICA MÔNICA CAMPOS DE RÉ: É importante serem revelados esses esquemas para que a sociedade tenha conhecimento. Se o processo ficar em sigilo ou segredo de Justiça, as pessoas não vão saber o que aconteceu ali, o que está no subterrâneo.

ESTADÃO: As 10 Medidas falam em confisco de bens. É importante para combater a corrupção?
PROCURADORA REGIONAL DA REPÚBLICA MÔNICA CAMPOS DE RÉ: Para alguns casos, o confisco é importante para cessar a atividade criminosa. Nesses casos da Lava Jato, alguns dos réus são contumazes, eles continuam praticando crimes. Tem um réu que está em 4 ou 5 processos, é um lavador profissional de dinheiro. Se a gente confisca o dinheiro dele de início ou de outros membros da organização criminosa, de certa forma fica mais difícil a atuação deles, de continuar esses crimes, esses esquemas, e também para a recuperação do dinheiro desviado para a sociedade. Na Petrobrás, uma boa parte do dinheiro já foi devolvido, para a própria União também. Os acordos de leniência também permitem isso.

ESTADÃO: Qual a importância do apoio da sociedade para as 10 Medidas?
PROCURADORA REGIONAL DA REPÚBLICA MÔNICA CAMPOS DE RÉ: Muito importante. Eles estão atentos para o acompanhamento da tramitação desse projeto de lei para que seja cumprido pelo menos esse prazo de 9 de dezembro e que no Senado também tenha uma tramitação rápida. E esses outros projetos que também interessam à celeridade da Justiça. A celeridade também implica a não impunidade. Se o processo demora muito, acaba gerando a impunidade pela prescrição, pelo próprio tempo.

ESTADÃO: Os escândalos sucessivos chocam?
PROCURADORA REGIONAL DA REPÚBLICA MÔNICA CAMPOS DE RÉ: Cada escândalo é um choque. Os valores vão aumentando e virando cifras bilionárias que a gente praticamente perde a dimensão das coisas. Parece que é tudo tão bilionário.

ESTADÃO: De que maneira as 10 Medidas ajudam a melhorar este quadro?
PROCURADORA REGIONAL DA REPÚBLICA MÔNICA CAMPOS DE RÉ: Tornar a corrupção crime hediondo, com valores acima de 100 salários mínimos, as penas vão aumentando conforme os valores desviados para a gente não perder a noção dos valores. Quanto maior o valor desviado, maior vai ser a pena. Vão contribuir, sim.  Fonte: O Estado de S.Paulo.

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