O ciclismo é o meio
de transporte urbano associado aos maiores ganhos psicológicos,
mostra estudo europeu com mais de 3,5 mil participantes. Aumento da
vitalidade e redução da autopercepção do estresse e do sentimento
de solidão estão entre os benefícios
19/08/2018 - A
bicicleta é conhecida por ser amiga do meio ambiente e pelos
benefícios ao corpo de quem a inclui na rotina, como perda de
gordura e fortalecimento dos músculos. Mas além dos benefícios
físicos, as pedaladas contribuem para a saúde mental dos seus
adeptos. Pesquisadores mostram o feito em um estudo com 3.567
moradores de sete cidades europeias, destacando resultados como
maiores níveis de vitalidade, autopercepção do estresse e menos
sentimento de solidão.
“Todos os efeitos
positivos para a saúde que encontramos podem ser resultado de uma
repetida alta satisfação com o uso da bicicleta na vida diária.
Esses níveis de bem-estar podem ser explicados pelo fato de a
bicicleta poder oferecer independência, ser econômica e agradável
e conseguir criar identidade — os ciclistas gostam de se
identificar como ciclistas”, lista ao Correio Ione Ávila
Palencia, pesquisadora do Instituto de Saúde Global de Barcelona
(ISGlobal), na Espanha, e principal autora do trabalho, publicado na
revista científica Enviromental Health.
A turbinada na saúde
mental não é exclusividade dos ciclistas europeus. Marco Antônio
Correa, 43 anos, morador do Jardim Botânico, comemora aqui também.
Sempre que pode, o técnico de informática pedala os cerca de três
quilômetros que separa a casa onde mora do colégio onde trabalha,
no Lago Sul. Nesses dias, a disposição é outra. “Sinto que o meu
estresse diminui, eu chego com mais motivação para trabalhar”,
conta.
Nos fins de semana
de Marco Antônio, a bicicleta também tem vez. “Sempre tento ir a
um lugar que tenha a vista bonita, com uma paisagem diferente, como
uma cachoeira, porque é o tipo de ambiente em que apenas conseguimos
ir a pé ou de bicicleta. Ela proporciona esse tipo de experiência
na natureza que eu acho extremamente agradável e me faz muito bem”,
ressalta.
Principais dimensões
O relaxamento e o
bem-estar também foram constatados pelos cientistas europeus. O
estudo faz parte do projeto de pesquisa Atividade Física Através de
Abordagens de Transporte Sustentável (PASTA, pela sigla em inglês),
financiado pela União Europeia e realizado em sete cidades: Londres
(Inglaterra), Antuérpia (Bélgica), Barcelona (Espanha), Orebro
(Suécia), Roma (Itália), Viena (Áustria) e Zurique (Suíça).
Todos os
participantes, que tinham ao menos 18 anos, responderam a um
questionário sobre a relação entre locomoção e saúde, com
perguntas que abordavam questões como frequência do uso de
diferentes modos de transporte — carro, moto, transporte coletivo,
bicicleta, bicicleta elétrica e caminhada —, como os indivíduos
percebiam a própria saúde e quais relações sociais estabeleciam
(solidão e contato com amigos e/ou familiares).
A equipe
concentrou-se nas principais dimensões de saúde mental (ansiedade,
depressão, perda de controle emocional e bem-estar psicológico), de
vitalidade (nível de energia e fadiga) e de estresse percebido. Os
resultados mostram que o uso regular da bicicleta produz os melhores
resultados em todas as análises. Comparadas aos outros meios de
transportes, as bikes foram mais associadas a melhor autopercepção
da saúde geral, melhor saúde mental, maior vitalidade, menor
autopercepção do estresse e menos sentimento de solidão.
O segundo modo de
transporte que proporcionou mais benefícios foi a caminhada —
associada a boa autopercepção da saúde geral, maior vitalidade e
maior contato com amigos e ou familiares. “As descobertas foram
semelhantes em todas as cidades estudadas. Isso sugere que o
transporte ativo, especialmente o uso da bicicleta, deve ser
incentivado para melhorar a saúde e aumentar a interação social”,
comenta Ione Ávila Palencia.
Coesão social
Segundo a
pesquisadora, o trabalho é o primeiro a avaliar a associação entre
o uso de bicicletas e medidas de contato social. “Tem sido sugerido
que o uso desse modo de transporte pode afetar as percepções
sociais e, portanto, ter implicações significativas para o
bem-estar e a coesão da comunidade”, diz Ione Ávila Palencia.
“Todos esses resultados sugerem que o uso da bicicleta como meio de
transporte poderia ajudar a melhorar a coesão social em uma
comunidade ou um bairro, reduzindo os sentimentos de solidão da
população.”
Mônica Pinto
Messias, 48 anos, vive e comemora o impacto social que o ciclismo
pode proporcionar. A aposentada é deficiente visual e participa do
Deficiente Visual na Trilha, um projeto de ciclistas de Brasília que
buscam dividir a paixão pelas bikes com pessoas com limitações
visuais. “Sempre fui ligada a esportes, mas a bicicleta não era
uma possibilidade, porque eu sabia que não podia pedalar sozinha.
Com o DV, isso mudou”, diz Mônica.
Para ela, o convívio
social é um dos pontos em que o esporte e o projeto mais têm
impactado sua vida. “É muito bacana porque andamos em bicicletas
duplas que, por si só, já chamam a atenção. As pessoas param para
conversar. Quando você vai ver, já está batendo papo e ajudando
alguém que estava com o pneu furado. Fiz muitos amigos”, conta.
“Além dessa sensação de bem-estar, há o vento no rosto, o
contato com a natureza. A minha disposição aumentou, me motivou a
fazer outras atividades”, completa.
Simone Cosenza, 48
anos, é psicóloga e uma das coordenadoras do DV na Trilha. Ela
conta que, assim como Mônica, todo o grupo de voluntários e
deficientes sente os efeitos benéficos do ciclismo desde que a
iniciativa começou, em 2004. “Escolhemos ajudar pessoas com
deficiência visual durante um evento de fim de ano, mas tivemos
tanto sucesso que ele segue até hoje. Sentimos que o esporte fez
muito bem a eles, como faz para nós. Desenvolvemos laços que
viraram amizades.” O projeto conta 26 pessoas com deficiência
visual e cerca de 100 voluntários. “Temos uma grande lista de
espera. Acredito que isso mostra o sucesso do DV na Trilha. Sucesso
que percebemos também na melhora da qualidade de vida das pessoas,
no aumento da autoestima e das relações sociais”, avalia Simone.
Novas demandas
Apesar dos
benefícios para a saúde mental constatados na pesquisa europeia,
além de outros estudos voltados para as vantagens fisiológicas das
bicicletas, Ione Ávila Palencia destaca que o meio de transporte não
é muito comum no continente. “A porcentagem de pessoas que pedalam
regularmente permanece baixa em todas as cidades, com exceção da
Holanda e da Dinamarca. Isso significa que há muito espaço para
aumentar o uso de bicicletas.”
A pesquisadora do
Instituto de Saúde Global de Barcelona (ISGlobal) destaca ainda que
o tipo de abordagem conduzida na pesquisa permite uma análise mais
“realista” da rotina nas grandes cidades, considerando
flexibilidades na forma de se locomover. “As pessoas tendem a usar
mais de um meio de transporte”, explica. “E o estudo nos permitiu
destacar o efeito positivo da caminhada, o que, em estudos
anteriores, não foi muito conclusivo.”
Mark Nieuwenhuijsen,
coordenador do estudo e diretor da Iniciativa de Planejamento Urbano,
Meio Ambiente e Saúde no ISGlobal, chama a atenção para a
importância de as cidades se adaptar a essas novas práticas. “O
transporte não é apenas uma questão de mobilidade. O estudo
mostra, mais uma vez, que uma abordagem integrada ao planejamento
urbano, ao planejamento de transporte e à saúde pública é
necessária para desenvolver políticas que promovam o transporte
ativo.”
Males em alta
A psicóloga Nicole
Santos sinaliza outra questão voltada às políticas públicas. Ela
frisa que atividades que contribuam para a saúde mental precisam ser
incentivadas, principalmente devido ao aumento de casos de
transtornos psicológicos. “Em um momento em que temos mais casos
de depressão e ansiedade, é importante ver como a bicicleta pode
contribuir para a prevenção desses problemas. Ela promove o
encontro de grupos, sensações positivas, como o vento no rosto, ver
o céu, faz com que tenhamos contato com o mundo”, diz.
Para a especialista,
as formas como as pessoas usam os meio de transporte precisam ser
analisadas com outros olhos, considerado efeitos além do
deslocamento. “Vemos que, na história humana, a evolução da
locomoção desencadeou para o individualismo. No começo, o homem
fazia caminhadas. Depois, tivemos a invenção da roda. Com ela, veio
a carruagem, a bicicleta e, hoje, temos o carro, onde as pessoas
passam uma parte considerável do tempo em um ambiente isolado. É
importante termos a noção de que o transporte não é só se
locomover, ele também pode promover a saúde”, justifica. (VS)
Palavra de
especialista
A importância da
motivação
“Esse estudo chama
a atenção por abordar a saúde comportamental que, à primeira
vista, não é considerada quando falamos do benefício do uso da
bicicleta. Mas sabemos que essa prática envolve um ritual. As
pessoas se unem, acabam formando grupos, é realmente uma forma maior
de se sociabilizar, que pode proporcionar ganhos para a mente. Além
da psique, sabemos que a bicicleta atua na prevenção de problemas
crônicos, como hipertensão e diabetes, mas é sempre bom destacar
que o mais importante para realizar esportes é a motivação. Ela
tem um papel importante pois é o que vai fazer você manter o
exercício na rotina. Essa sociabilidade envolvida no uso da
bicicleta é algo que contribui para que as atividades físicas se
tornem presentes no cotidiano. O motivo social é extremamente
positivo”
Páblius Staduto
Braga, médico do Esporte do Hospital Nove de Julho, em São Paulo
Dia de celebrar e
refletir
Hoje é comemorado o
primeiro Dia Nacional do Ciclista, criado para lembrar a necessidade
do convívio harmônico entre as diferentes formas de transporte. No
ano passado, o Senado aprovou a data como uma forma de homenagear o
estudante de biologia Pedro Davison, morto, em 2006, depois de ser
atingido por um motorista enquanto pedalava na faixa central do Eixão
Sul. Segundo os criadores do projeto, a data serve também para
estimular a reflexão acerca da importância da bicicleta como um
transporte do futuro. Fonte: Correio Brasiliense.
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