domingo, 19 de agosto de 2018

Estudo europeu aponta que pedalar tem função terapêutica


O ciclismo é o meio de transporte urbano associado aos maiores ganhos psicológicos, mostra estudo europeu com mais de 3,5 mil participantes. Aumento da vitalidade e redução da autopercepção do estresse e do sentimento de solidão estão entre os benefícios

19/08/2018 - A bicicleta é conhecida por ser amiga do meio ambiente e pelos benefícios ao corpo de quem a inclui na rotina, como perda de gordura e fortalecimento dos músculos. Mas além dos benefícios físicos, as pedaladas contribuem para a saúde mental dos seus adeptos. Pesquisadores mostram o feito em um estudo com 3.567 moradores de sete cidades europeias, destacando resultados como maiores níveis de vitalidade, autopercepção do estresse e menos sentimento de solidão.

“Todos os efeitos positivos para a saúde que encontramos podem ser resultado de uma repetida alta satisfação com o uso da bicicleta na vida diária. Esses níveis de bem-estar podem ser explicados pelo fato de a bicicleta poder oferecer independência, ser econômica e agradável e conseguir criar identidade — os ciclistas gostam de se identificar como ciclistas”, lista ao Correio Ione Ávila Palencia, pesquisadora do Instituto de Saúde Global de Barcelona (ISGlobal), na Espanha, e principal autora do trabalho, publicado na revista científica Enviromental Health.

A turbinada na saúde mental não é exclusividade dos ciclistas europeus. Marco Antônio Correa, 43 anos, morador do Jardim Botânico, comemora aqui também. Sempre que pode, o técnico de informática pedala os cerca de três quilômetros que separa a casa onde mora do colégio onde trabalha, no Lago Sul. Nesses dias, a disposição é outra. “Sinto que o meu estresse diminui, eu chego com mais motivação para trabalhar”, conta.

Nos fins de semana de Marco Antônio, a bicicleta também tem vez. “Sempre tento ir a um lugar que tenha a vista bonita, com uma paisagem diferente, como uma cachoeira, porque é o tipo de ambiente em que apenas conseguimos ir a pé ou de bicicleta. Ela proporciona esse tipo de experiência na natureza que eu acho extremamente agradável e me faz muito bem”, ressalta.

Principais dimensões
O relaxamento e o bem-estar também foram constatados pelos cientistas europeus. O estudo faz parte do projeto de pesquisa Atividade Física Através de Abordagens de Transporte Sustentável (PASTA, pela sigla em inglês), financiado pela União Europeia e realizado em sete cidades: Londres (Inglaterra), Antuérpia (Bélgica), Barcelona (Espanha), Orebro (Suécia), Roma (Itália), Viena (Áustria) e Zurique (Suíça).

Todos os participantes, que tinham ao menos 18 anos, responderam a um questionário sobre a relação entre locomoção e saúde, com perguntas que abordavam questões como frequência do uso de diferentes modos de transporte — carro, moto, transporte coletivo, bicicleta, bicicleta elétrica e caminhada —, como os indivíduos percebiam a própria saúde e quais relações sociais estabeleciam (solidão e contato com amigos e/ou familiares).

A equipe concentrou-se nas principais dimensões de saúde mental (ansiedade, depressão, perda de controle emocional e bem-estar psicológico), de vitalidade (nível de energia e fadiga) e de estresse percebido. Os resultados mostram que o uso regular da bicicleta produz os melhores resultados em todas as análises. Comparadas aos outros meios de transportes, as bikes foram mais associadas a melhor autopercepção da saúde geral, melhor saúde mental, maior vitalidade, menor autopercepção do estresse e menos sentimento de solidão.

O segundo modo de transporte que proporcionou mais benefícios foi a caminhada — associada a boa autopercepção da saúde geral, maior vitalidade e maior contato com amigos e ou familiares. “As descobertas foram semelhantes em todas as cidades estudadas. Isso sugere que o transporte ativo, especialmente o uso da bicicleta, deve ser incentivado para melhorar a saúde e aumentar a interação social”, comenta Ione Ávila Palencia.
Coesão social

Segundo a pesquisadora, o trabalho é o primeiro a avaliar a associação entre o uso de bicicletas e medidas de contato social. “Tem sido sugerido que o uso desse modo de transporte pode afetar as percepções sociais e, portanto, ter implicações significativas para o bem-estar e a coesão da comunidade”, diz Ione Ávila Palencia. “Todos esses resultados sugerem que o uso da bicicleta como meio de transporte poderia ajudar a melhorar a coesão social em uma comunidade ou um bairro, reduzindo os sentimentos de solidão da população.”

Mônica Pinto Messias, 48 anos, vive e comemora o impacto social que o ciclismo pode proporcionar. A aposentada é deficiente visual e participa do Deficiente Visual na Trilha, um projeto de ciclistas de Brasília que buscam dividir a paixão pelas bikes com pessoas com limitações visuais. “Sempre fui ligada a esportes, mas a bicicleta não era uma possibilidade, porque eu sabia que não podia pedalar sozinha. Com o DV, isso mudou”, diz Mônica.

Para ela, o convívio social é um dos pontos em que o esporte e o projeto mais têm impactado sua vida. “É muito bacana porque andamos em bicicletas duplas que, por si só, já chamam a atenção. As pessoas param para conversar. Quando você vai ver, já está batendo papo e ajudando alguém que estava com o pneu furado. Fiz muitos amigos”, conta. “Além dessa sensação de bem-estar, há o vento no rosto, o contato com a natureza. A minha disposição aumentou, me motivou a fazer outras atividades”, completa.

Simone Cosenza, 48 anos, é psicóloga e uma das coordenadoras do DV na Trilha. Ela conta que, assim como Mônica, todo o grupo de voluntários e deficientes sente os efeitos benéficos do ciclismo desde que a iniciativa começou, em 2004. “Escolhemos ajudar pessoas com deficiência visual durante um evento de fim de ano, mas tivemos tanto sucesso que ele segue até hoje. Sentimos que o esporte fez muito bem a eles, como faz para nós. Desenvolvemos laços que viraram amizades.” O projeto conta 26 pessoas com deficiência visual e cerca de 100 voluntários. “Temos uma grande lista de espera. Acredito que isso mostra o sucesso do DV na Trilha. Sucesso que percebemos também na melhora da qualidade de vida das pessoas, no aumento da autoestima e das relações sociais”, avalia Simone.

Novas demandas
Apesar dos benefícios para a saúde mental constatados na pesquisa europeia, além de outros estudos voltados para as vantagens fisiológicas das bicicletas, Ione Ávila Palencia destaca que o meio de transporte não é muito comum no continente. “A porcentagem de pessoas que pedalam regularmente permanece baixa em todas as cidades, com exceção da Holanda e da Dinamarca. Isso significa que há muito espaço para aumentar o uso de bicicletas.”

A pesquisadora do Instituto de Saúde Global de Barcelona (ISGlobal) destaca ainda que o tipo de abordagem conduzida na pesquisa permite uma análise mais “realista” da rotina nas grandes cidades, considerando flexibilidades na forma de se locomover. “As pessoas tendem a usar mais de um meio de transporte”, explica. “E o estudo nos permitiu destacar o efeito positivo da caminhada, o que, em estudos anteriores, não foi muito conclusivo.”

Mark Nieuwenhuijsen, coordenador do estudo e diretor da Iniciativa de Planejamento Urbano, Meio Ambiente e Saúde no ISGlobal, chama a atenção para a importância de as cidades se adaptar a essas novas práticas. “O transporte não é apenas uma questão de mobilidade. O estudo mostra, mais uma vez, que uma abordagem integrada ao planejamento urbano, ao planejamento de transporte e à saúde pública é necessária para desenvolver políticas que promovam o transporte ativo.”

Males em alta
A psicóloga Nicole Santos sinaliza outra questão voltada às políticas públicas. Ela frisa que atividades que contribuam para a saúde mental precisam ser incentivadas, principalmente devido ao aumento de casos de transtornos psicológicos. “Em um momento em que temos mais casos de depressão e ansiedade, é importante ver como a bicicleta pode contribuir para a prevenção desses problemas. Ela promove o encontro de grupos, sensações positivas, como o vento no rosto, ver o céu, faz com que tenhamos contato com o mundo”, diz.

Para a especialista, as formas como as pessoas usam os meio de transporte precisam ser analisadas com outros olhos, considerado efeitos além do deslocamento. “Vemos que, na história humana, a evolução da locomoção desencadeou para o individualismo. No começo, o homem fazia caminhadas. Depois, tivemos a invenção da roda. Com ela, veio a carruagem, a bicicleta e, hoje, temos o carro, onde as pessoas passam uma parte considerável do tempo em um ambiente isolado. É importante termos a noção de que o transporte não é só se locomover, ele também pode promover a saúde”, justifica. (VS)

Palavra de especialista
A importância da motivação
“Esse estudo chama a atenção por abordar a saúde comportamental que, à primeira vista, não é considerada quando falamos do benefício do uso da bicicleta. Mas sabemos que essa prática envolve um ritual. As pessoas se unem, acabam formando grupos, é realmente uma forma maior de se sociabilizar, que pode proporcionar ganhos para a mente. Além da psique, sabemos que a bicicleta atua na prevenção de problemas crônicos, como hipertensão e diabetes, mas é sempre bom destacar que o mais importante para realizar esportes é a motivação. Ela tem um papel importante pois é o que vai fazer você manter o exercício na rotina. Essa sociabilidade envolvida no uso da bicicleta é algo que contribui para que as atividades físicas se tornem presentes no cotidiano. O motivo social é extremamente positivo”
Páblius Staduto Braga, médico do Esporte do Hospital Nove de Julho, em São Paulo

Dia de celebrar e refletir
Hoje é comemorado o primeiro Dia Nacional do Ciclista, criado para lembrar a necessidade do convívio harmônico entre as diferentes formas de transporte. No ano passado, o Senado aprovou a data como uma forma de homenagear o estudante de biologia Pedro Davison, morto, em 2006, depois de ser atingido por um motorista enquanto pedalava na faixa central do Eixão Sul. Segundo os criadores do projeto, a data serve também para estimular a reflexão acerca da importância da bicicleta como um transporte do futuro. Fonte: Correio Brasiliense.

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