segunda-feira, 30 de julho de 2018

Etienne Hirsch, neurobiólogo: ‘O Parkinson é uma doença de todo o corpo’

Um dos mais respeitados pesquisadores de doenças neurodegenerativas do mundo, ele esteve no Rio para a entrega do 1º Prêmio Internacional Fiocruz Servier de Neurociência a dois cientistas brasileiros

29/07/2018 - RIO - “Sou um neurobiólogo francês muito interessado na doença de Parkinson. Mas além da curiosidade científica, quando comecei a trabalhar na área um amigo estava sofrendo com a doença. Então também vi de perto o quão difícil a doença de Pakinson é para o paciente e sua família.

A doença de Parkinson não é uma doença só do cérebro, mas de todo o corpo. Há um processo neuroinflamatório subjacente. É uma desordem provocada pela perda de neurônios em regiões específicas do cérebro, em especial nas que controlam o movimento, pelo acúmulo de uma proteína anômala chamada alfa-sinucleína, mas as células não neuronais também têm um papel muito importante na doença.

E que células são essas?

Primeiro temos os linfócitos, células do sistema imunológico que penetram o cérebro e vão direto para estas regiões afetadas. Então há um mecanismo muito específico de atração destes linfócitos para estas regiões. E também temos o envolvimento das microglias, que são os macrófagos (outro tipo de célula de defesa do organismo) “residentes” do cérebro. Mas enquanto os macrófagos não são específicos para um antígeno (qualquer substância considerada “estranha” pelo organismo, provocando uma resposta imunológica) e matam tudo que veem pela frente, fazendo parte assim do sistema imunológico inato, os linfócitos são “sintonizados” para atacar agentes estranhos, integrando o sistema imunológico adaptativo. Desta forma, no Parkinson temos o envolvimento de ambos sistemas de defesa, o inato e o adaptativo.

No quê isso pode ajudar na busca por tratamentos?

Isso é muito interessante porque abre caminho para a identificação de drogas que possam frear o avanço deste processo patológico. Drogas que de fato já são usadas em várias outras desordens, anti-inflamatórios muito específicos, pois os processos neuroinflamatórios associados ao Parkinson exacerbam a morte dos neurônios. Assim, a neuroinflamação pode não ser a causa principal da perda neuronal, mas ela dá início um fenômeno autoperpetuado intimamente ligado à progressão da doença.

E quanto aos tratamentos sintomáticos? Pesquisas recentes mostraram que técnicas como a estimulação cerebral profunda podem aliviar os sintomas do Parkinson

De fato a estimulação cerebral profunda tem se mostrado capaz de aliviar alguns sintomas no Parkinson, mas não afeta em nada a progressão da doença. Para os pacientes em geral continuamos a usar as terapias de substituição, como a L-dopa. Elas funcionam estimulando o sistema dopaminérgico, pois a doença é provocada pela perda dos neurônios produtores de dopamina, compensando esta perda. Mas em alguns pacientes isso não é suficiente. Assim, em cerca de 10% deles podemos fazer este implante de eletrodos no cérebro para estimular as regiões afetadas e aliviar os sintomas. Isso tem funcionado muito bem nas pessoas que não podem usar as terapias de substituição devido a efeitos colaterais muito severos.

Quais as perspectivas de encontrarmos alguma cura para o Parkinson? Há algo a vista? Em que prazo?

Diria talvez médio a longo prazo. a doença de Parkinson é uma doença muito complexa, que associa diferentes tipos de causas e lesões, então provavelmente precisaremos de um coquetel de moléculas, cada uma tendo como alvo uma causa ou processo do Parkinson, algo como uma para remover a alfa-sinucleína anômala, outra anti-inflamatória para evitar a exacerbação pela neuroinflamação, mais uma talvez para estimular a neurogênese, a formação de novos neurônios nas áreas afetadas etc. Mas é muito difícil desenvolver um coquetel de tratamento, pois precisamos testar não só os efeitos das drogas isoladamente como todas suas interações. Fonte: O Globo.

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